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Juízes afirmam (pela segunda vez) que testemunho de mulher “autónoma” não é credível

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Depois do Tribunal da Relação de Coimbra ter pedido para que os juízes fundamentassem decisão, o Tribunal de Viseu absolveu, pela segunda vez, um homem acusado de violência doméstica.

O Tribunal de Viseu confirmou esta sexta-feira a absolvição de um homem de Castro Daire acusado de violência doméstica, por considerar que não foi feita prova das agressões que a mulher alegou ter sofrido durante vários anos.

Em causa está um polémico acórdão de 3 de outubro de 2017, que põe em causa o facto de uma mulher moderna e autónoma, com salário próprio, como era Susana, se deixar sujeitar a violência doméstica.

Nesse dia, o Tribunal de Viseu absolveu Ângelo de dois crimes de violência doméstica, um crime de perturbação da vida privada e um crime de injúrias, tendo-o condenado apenas pelo crime de detenção de arma proibida.

O primeiro acórdão lido pelo coletivo de juízes não tinha dado credibilidade ao testemunho da mulher. Assim, o Tribunal da Relação de Coimbra ordenou que a decisão fosse fundamentada pelo Tribunal de Viseu, para que fosse explicado pormenorizadamente o porquê de ser dada, ou não, credibilidade ao que foi dito, tendo decorrido a leitura esta sexta-feira.

O juiz-presidente, Carlos Oliveira, disse que “não pode conceder-se maior relevo às declarações das vítimas em detrimento das do arguido” e que, neste caso, as declarações das assistentes (Susana e a mãe) não foram corroboradas por outros meios de prova credíveis. “Não se afirma que o crime de violência doméstica não foi cometido”, ele apenas não ficou provado, disse Carlos Oliveira.

Por várias vezes, o juiz-presidente referiu que Susana “denotou contradições” com outros meios de prova e “algumas incongruências” nas declarações, adaptando depois o seu discurso “de modo a tentar colmatá-las”.

O acórdão refere que quer a mãe de Susana, quer as testemunhas, disseram em tribunal que só ouviram falar das agressões após a apresentação da queixa que deu origem ao processo. Susana também nunca denunciou o arguido aos médicos, nem às autoridades policiais, e não apresentou relatórios médicos, episódios de urgência ou fotografias que pudessem provar as acusações.

O tribunal estranhou ainda que, apesar de alegar ter sofrido violência doméstica durante tantos anos, Susana tivesse feito um empréstimo bancário para construir casa e engravidado, considerando não fazer sentido a justificação de que “tinha esperança de que o arguido mudasse, que tinha medo ou vergonha”.

No acórdão, é repetido que, “confrontada com o facto de ser financeiramente autónoma, com salário proveniente do seu trabalho, não dependente economicamente do arguido e, mesmo assim, ter-se – alegadamente – submetido a tantos episódios de violência doméstica durante seis anos, a assistente afirmou que tinha esperança de que o arguido mudasse”.

O advogado João Sevivas anunciou aos jornalistas que irá “recorrer até às últimas instâncias”, por entender que não se fez justiça.

Argumentando estar impedido deontologicamente de falar sobre este caso, João Sevivas lamentou, enquanto cidadão e “em nome de 11 mulheres que já morreram e infelizmente de muitas outras que irão morrer”, casos em que “as mulheres entram como vítimas e ofendidas e saem como culpadas por serem agredidas”.

“Mulheres que entram aqui chorosas e a lembrar os episódios e são tidas como mentirosas, porque têm o amor de esconder essas agressões, porque têm esperança de que, efetivamente, ainda haja hipótese de salvar o casamento”, afirmou. Na sua opinião, “é fundamental que haja formação nos juízes de primeira instância para os crimes de violência doméstica”.

João Sevivas defendeu também o “reforço e vigilância que o Conselho Superior da Magistratura deveria ter em relação à atuação dos magistrados judiciais”.

A assistir à leitura do acórdão estavam elementos da plataforma Já Marchavas, com o objetivo de “assinalar uma posição de intransigência para com a violência doméstica e a justiça machista e retrógrada que dá sinais de tolerância a um crime que mata, todos os anos, dezenas de mulheres”.

“Se uma mulher tiver autonomia financeira, se for reconhecida como uma pessoa com determinados atributos, então parece não ter os mesmos direitos que as outras mulheres e que todas as mulheres deveriam ter”, lamentou António Gil, daquela plataforma, em declarações aos jornalistas.

ZAP // Lusa

5 Comments

  1. Não ficaram provadas as agressões, é isso que interessa. Era o que faltava agora os tribunais decidirem só com base no depoimento das presumíveis vítimas…

  2. Se não existem provas concretas, a decisão é acertada. Trata-se da palavra de um contra a palavra de outro. Se um tribunal decidisse o contrário, abriria uma caça ás bruxas. E com isto, não quero dizer que não tenha havido violência doméstica…

  3. Se a senhora morrer eu quero ver se os juízes vão ser responder por negligência! Vão dizer que estavam de CONSCIÊNCIA tranquila pois ela é que não fez prova. Será que morrendo fica provado?

    • Mas qual negligência?!
      Então acho melhor prender toda a gente, porque qualquer ser humano é um potencial criminoso!!
      Se morrer, morreu!
      Os tribunais não podem fazer futurologia e prender com base em previsões!
      Se a única “prova” foi a palavra da alegada vítima, queres o quê?!

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