The Art Newspaper

A curadora da National Gallery, Emma Capron, junto a “A Virgem e o Menino com os santos Luís e Margarida” (autor desconhecido, c. 1500)
Quem criou esta peculiar pintura de um dragão a babar? Ninguém sabe—mas um museu acabou de comprá-la por 20 milhões de dólares.
A National Gallery de Londres adquiriu recentemente uma enigmática obra de arte chamada “A Virgem e o Menino com São Luís e Santa Margarida” por 20 milhões de dólares — cerca de 17,6 milhões de euros.
Pintado cerca de 1510 por um artista desconhecido, o misterioso retábulo apresenta detalhes incomuns, incluindo um dragão a babar-se (que poderá ser Satanás) e um anjo a tocar harpa de boca.
Apesar do elevado preço da pintura, não existe consenso entre os especialistas sobre quem pintou o retábulo, onde foi encomendado, ou mesmo de que país era o artista. Poderá ser holandês ou francês, lê-se na página dedicada à obra no site da The National Gallery.
Exibida pela última vez em 1960, é uma pintura misteriosa, que a National Gallery tem tido debaixo de olho “há décadas”, diz Gabriele Finaldi, diretor do museu, ao The Art Newspaper. A galeria adquiriu a pintura no início deste ano como parte da celebração do seu bicentenário.
As primeiras pistas sobre as origens do retábulo vêm do painel de madeira em que está pintado. A galeria utilizou dendrocronologia para datar a madeira por volta de 1483.
A madeira é carvalho báltico, frequentemente utilizado nos Países Baixos — enquanto os artistas franceses da época utilizavam madeira de origem local, nota a Smithsonian Magazine.
Segundo um comunicado da National Gallery, o retábulo foi documentado pela primeira vez em 1602, na Abadia Premonstratense de Drongen, em Gante, Bélgica,. Os especialistas não sabem se esse era o local original da pintura, mas parte do seu tema sugere que poderia ter sido.
Consideremos as personagens da pintura: a Virgem, o menino Jesus, Santa Margarida, São Luís, dois anjos e um dragão. Embora São Luís seja o rei francês Luís IX, ele era venerado entre os Premonstratenses por permitir que a ordem católica utilizasse a flor-de-lis—um símbolo da realeza francesa—no seu brasão de armas.
Outro detalhe relacionado com São Luís ajudou os historiadores de arte a estreitar ainda mais a data. Enquanto a dendrocronologia estabelece um limite inicial em 1483, o design da corrente usada por São Luís foi modificado em 1516, o que significa que o retábulo foi provavelmente pintado antes dessa data.
“Uma datação de cerca de 1510 parece apropriada por razões estilísticas”, diz a National Gallery no comunicado. Sugere que a “plasticidade, monumentalidade” e iluminação da pintura são reminiscentes do pintor francês Jean Hey, enquanto a sua “composição e execução versátil” revelam dívidas artísticas a dois pintores da tradição neerlandesa: Jan van Eyck e Hugo van der Goes.
Mas para além destas semelhanças estilísticas, “A Virgem e o Menino com São Luís e Santa Margarida” é uma obra verdadeiramente única. Emma Capron, curadora do museu responsável pela aquisição, descreve o retábulo como “extremamente inventivo” e “cheio de peculiaridades iconográficas“.

A Virgem e o Menino com os Santos Luís e Margarida” (autor desconhecido, c. 1500)
Comecemos pelo bizarro dragão, com um rosto canino, presas muito exageradas e baba a escorrer.
Diz a tradição que Satanás, disfarçado de dragão engoliu Santa Margarida inteira. O seu estômago rejeitou-a e lá aparece a santa na pintura, ajoelhada em oração, totalmente imperturbável pelo acontecimento.
Junto a Margarida, um dos dois anjos segura um livro de canções, outrora considerado um hino do compositor inglês Walter Frye, mas agora identificado como disparate musical. O outro anjo dedilha a sua harpa de boca, “um som dificilmente associado à harmonia celestial”, nota a National Gallery no comunicado.
Com referências do Antigo Testamento escondidas nos capitéis das colunas, bem como detalhes solenes, como um pintassilgo e os pregos da crucificação dispersos por toda a obra, é fácil perder de vista a peça central da misteriosa pintura: o menino Jesus e a Virgem “envolta num vermelho flamejante de carro desportivo”, como escreve a Artnet.
Estes elementos misturam humor e gravidade numa cena rica e dinâmica num painel de madeira com cerca de 1,20 metros de altura.
Na década de 1950, o historiador de arte Denys Sutton descreveu o retábulo como “um daqueles objetos deleitáveis que desafia a engenhosidade dos estudiosos”.
Décadas depois, os mistérios da Virgem com o Menino, os santos Luís e Margarida, e o seu bizarro dragão a babar-se, permanecem por desvendar.