A misteriosa “Burning Mountain” na Austrália arde há pelo menos 6.000 anos (e ninguém sabe porquê)

Wikimedia

Um incêndio está a arder fora de controlo, há pelo menos 6.000 anos, num parque nacional a quatro horas do norte de Sidney, na Austrália.

Segundo a Science Alert, a misteriosa chama subterrânea conhecida como “Burning Mountain” é o fogo mais antigo do planeta. Alguns cientistas estimam que pode ser muito mais antigo do que pensamos atualmente.

Localizado na Mount Wingen, no estado de Nova Gales do Sul, o incêndio subterrâneo é alimentado por uma camada de carvão subterrânea, sendo que Wingen significa “fogo” na língua do povo local Wanaruah.

Uma vez acesos, estes incêndios subterrâneos são quase impossíveis de apagar. Lenta mas intensamente, percorrem este tipo de camadas de carvão, que ocorrem naturalmente sob a superfície da Terra.

“Ninuém sabe o tamanho do fogo sob a Burning Mountain, só se pode inferir”, refere Guillermo Rein, docente no Imperial College London, no Reino Unido.

“É provavelmente uma bola de cerca de 5 a 10 metros de diâmetro, que atinge temperaturas de 1.000 graus Celsius”, explica o professor.

Ao contrário de um fogo típico, o fogo de carvão queima no subsolo e é ardente, o que significa que não há chamas, mas sim algo mais como brasas num churrasco.

O incêndio no Monte Wingen está atualmente a arder a cerca de 30 metros de profundidade, e move-se para sul a uma velocidade de cerca de 1 metro por ano.

No parque nacional, aberto aos turistas, a única prova da existência deste incêndio misterioso é algum fumo, cinzas brancas, solo quente, rochas descoloradas de amarelo e vermelho e um cheiro sulfúrico proveniente do fogo que “cozinha” os minerais da montanha.

Ainda que, para já, seja quase invisível, o caminho que o fogo percorreu é visível após uma investigação mais aprofundada, com áreas queimadas cobertas de cinzas e desprovidas de vida vegetal.

“À frente do incêndio, onde este ainda não chegou, vê-se uma bela floresta de eucaliptos. Onde o fogo está agora não há absolutamente nada vivo, nem sequer relva”, realça Guillermo Rein.

“E onde o fogo estava há 20 a 30 anos, a floresta voltou, mas é uma floresta diferente — o fogo moldou a paisagem“, acrescenta.

Muitos fogos de carvão, particularmente os da Índia, China e Estados Unidos, são causados por interferências humanas, tais como a extração de carvão. Um exemplo é o famoso incêndio sob Centralia, na Pensilvânia, a agora deserta cidade que inspirou Silent Hill, e que tem vindo a arder há quase 60 anos.

(dr) Gulhermo Rein

Gulhermo Rein em Mount Wingen, 2014

Quem começou o incêndio?

Não se sabe quem ou o que é que começou este incêndio. O primeiro avistamento documentado foi em 1828, quando um agricultor local declarou ter descoberto um vulcão na região do Monte Wingen.

Apenas um ano mais tarde, em 1829, o geólogo Charles Wilton concluiu que o alegado vulcão era, na realidade, um incêndio de carvão.

Desde então, as medições mostraram que o caminho do incêndio abrange cerca de 6,5 quilómetros, sugerindo que está aceso há pelo menos 6.000 anos. Para além disso, não foi realizada quase investigação nenhuma sobre a área.

O local é considerado sagrado pela povoação que lá habita, o povo Wanaruah, que utilizava o fogo para cozinhar e fabricar armas.

As suas histórias de origem falam de uma viúva cujas lágrimas inflamaram o fogo, ou a tocha de um guerreiro capturado pelo “Maligno” debaixo da montanha. De acordo com Rein, as causas naturais são a fonte mais provável.

“Não se pode descartar a interferência antropogénica, mas é a mais provável causa natural”, explica o docente.

“Pode ter sido um incêndio causado por um relâmpago que acertou num afloramento. Ou pode ter sido ignição por auto-aquecimento”, acrescenta.

A ignição por auto-aquecimento acontece quando a camada de carvão está suficientemente próxima da superfície, para que o carvão seja exposto ao oxigénio.

Se houver dias suficientemente ensolarados e quentes, algo que veremos mais com as alterações climáticas, a superfície de carvão aquece e aquece o suficiente para aquecer a camada seguinte, acabando por desencadear a ignição.

Um estudo publicado em 2019 na Science Direct mostra que o ponto de auto-aquecimento do carvão pode variar entre 35 a 140 graus Celsius.

Um dos mistérios do incêndio é que não se sabe a “idade” do fogo. Os investigadores encontraram provas que indicam que pode estar a arder há muito mais tempo do que se calcula.

“Não é só que tenha 6.000 anos… tem pelo menos 6.000 anos de idade”, nota o docente. “Pode, de facto, ter centenas de milhares de anos”.

Emma Macpherson

“The Burning Mountain”, pintura de Emma Macpherson

O Monte Wingen vai arder até quando?

Não se sabe a resposta a esta questão, dado que o tamanho da camada de carvão é desconhecido, e o percurso futuro dos fogos também. Por enquanto, não lhe falta o fornecimento de oxigénio. “Pode arder durante milhares de anos sem intervenção humana”, sublinha Guillermo Rein.

“À medida que o fogo avança, aquece a montanha provocando a sua expansão, deixando entrar oxigénio para que o fogo possa então avançar. O fogo produz a sua própria chaminé e o seu próprio fornecimento de oxigénio”, acrescenta.

Mesmo com a intervenção humana, os fogos de carvão são notoriamente difíceis de apagar, porque exigem toneladas de água e azoto líquido.

Em 2004, a China alegou ter extinguido um incêndio que ardia há 50 anos, até que   os visitantes avistaram sinais de incêndio alguns anos mais tarde.

Guillermo Rein observou, numa visita ao local em 2014, que o a zona fumegante na montanha ardente se aproximava de um penhasco, que descia para um pequeno rio. Assim, foram possíveis ver-se algumas mudanças dramáticas na Montanha Ardente nos anos seguintes.

“A camada de carvão pode romper e sair muito perto da superfície da falésia, o que pode resultar em chamas muito mais quentes“, diz Rein.

O professor prevê que isto poderá ser semelhante ao que aconteceu em 1828, quando o incêndio foi confundido com um vulcão.

“Ou se a camada do carvão for muito profunda, extinguir-se-á a si mesma e ficará mais funda, o que seria muito grave se acontecesse durante a nossa vida, depois de arder durante, possivelmente, centenas de milhares de anos”, acrescenta Rein.

Embora o Monte Wingen esteja suficientemente afastado da civilização, pode causar danos, e incêndios de carvão maiores podem ser um risco sério para a saúde e segurança das populações.

Não só estes perigos se podem tornar mais comuns devido às alterações climáticas, como também podem estar a contribuir para a situação complicada do nosso planeta.

Não existem muitos estudos sobre o impacto dos gases com efeito de estufa de carvão, mas sabe-se que libertam grandes quantidades de CO2, metano, e outros poluentes, como o mercúrio.

“O impacto das alterações climáticas nos incêndios das camadas de carvão, e o impacto dos incêndios das camadas de carvão nas alterações climáticas é definitivamente algo com o qual nos devemos preocupar muito”, alertou Rein.

“O que é mais frustrante é que ninguém está a beneficiar destes incêndios. São uma enorme fonte potencial de calor e energia que está a ficar inexplorada”, acrescenta.

Embora seja necessária mais investigação sobre os incêndios de carvão à medida que o nosso planeta aquece, é curioso pensar que mistérios como a Burning Mountain ainda existem e são pouco estudados neste planeta sobrecarregado de informação.

ZAP //

Siga o ZAP no Whatsapp

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.