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A Inteligência Artificial já dá voz aos jogos de computador — e os atores não estão contentes

A polémica surge após um mod do jogo The Witcher 3 incluir novas falas para a personagem Geralt of Rivia, produzidas a partir da voz original do ator Doug Cockle. Apesar da reação positiva dos fãs, os atores de voz temem pelo futuro da profissão e há quem discuta as consequências éticas da edição de vozes humanas sem o consentimento dos seus donos.

As barreiras da Inteligência Artificial estão constantemente a ser desafiadas pelo ser humano nos mais diversos formatos. Recentemente, um programador de jogos — um modder, na linguagem do setor — elevou ainda mais a barreira ao adicionar novas possibilidades ao jogo The Witcher 3.

Na mais recente versão (não oficial), intitulada A Night to Remember (Uma Noite para Recordar, em português), foram adicionadas novas linhas de voz à personagem Geralt of Rivia, produzidas a partir da voz original do ator Doug Cockle.

Segundo as informações disponibilizadas, a tecnologia utilizada para proceder à criação de novas falas foi o CyberVoice, software originalmente produzido pela empresa russa Mind Simulation Lab, também envolvida no produção da CyberMind — tecnologia capaz de desenvolver personalidades digitais para os NPC, personagens ‘não jogáveis’.

Segundo explica o Input, o CyberMind providencia a informação usada durante a criação das referidas personagens, enquanto que o CyberVoice dá voz às mesmas.

O Mind Simulation Lab já tinha trabalhado com a voz de atores humanos no passado. Ainda assim, a voz da personagem Geralt foi criada “com recurso a faixas de áudio gratuitas misturadas com outra voz”.

O trabalho desenvolvido pelo Mind Simulation Lab, na área da engenharia do som, ajuda a transformar manualmente as vozes para que sejam o mais semelhantes possível às originais.

Apesar da reação positiva dos fãs do jogo às inovações introduzidas (também de conteúdo), alguns atores de voz e alguns analistas não ficaram tão satisfeitos com a novidade, que causou controvérsia nas redes sociais.

No Twitter, Jay Britton, cuja voz pode ser ouvida em jogos como Divinity: Original Sin 2 ou Pathfinder, descreveu a situação como “de partir o coração”.

“Sim, a Inteligência Artificial talvez seja capaz de substituir coisas, mas deverá fazê-lo? Somos nós, literalmente, quem decide a questão. Substituir atores por Inteligência Artificial não é só um campo de minas em termos legais, é também uma escolha desprovida de alma”, argumentou Britton.

A polémica não é nova no setor dos jogos. Recentemente, a criadora de jogos Obsidian lançou um vídeo onde descreve o seu trabalho na plataforma Sonantic — destinada a transformar texto em discurso —, o qual consiste em testar linhas de discurso através de Inteligência Artificial para perceber se estas funcionam, antes de as substituir (ou não) por vozes humanas.

A reação, nervosa, dos atores de vozes para jogos não demorou a fazer-se ouvir.

Natalie Winter, que dá a voz a personagens de jogos como Assassin’s Creed: Valhalla, confidenciou ao InPut que a sua preocupação natural, assim como a dos seus colegas, é que a tecnologia acabe por roubar os seus trabalhos.

“Acredito que isso vá acontecer. É triste pensar que, se as vozes resultantes da Inteligência Artificial se tornarem suficientemente boas para serem amplamente utilizadas, as nossas oportunidades voltarão a diminuir.”

Uma visão contrária tem Leonid Derkyants, CEO do Mind Simulation Lab, que não hesita em defender a presença da tecnologia no setor dos jogos. “Nós criamos uma versão digital das vozes dos atores para que os NPC possam responder a perguntas dos jogadores, fora das histórias de missões, com as mesmas vozes”, explicou Derkyants.

“Tendo em conta que elas formam as suas respostas de forma independente e memorizam novos factos, é impossível dar voz a isso antecipadamente. Seria estranho se, nesse caso, as personagens falassem com uma voz diferente.”

Para além das questões relacionadas com o futuro profissional dos atores de vozes, outras dúvidas surgem com o uso da Inteligência Artificial para estes fins. Como se impede alguém, seja um criador de jogos isolado ou um estúdio profissional, de usar a voz de terceiros para proferir, por exemplo comentários racistas ou homofóbicos sem o seu consentimento?

Para Zeena Qureshi, CEO da Sonantic, o discurso ofensivo não deverá ser uma preocupação, pelo menos na sua empresa. Segundo Qureshi, quando a Sonantic “modela” a voz dos seus atores faz questão de se assegurar que estes concordam com o conteúdo final onde a sua voz será usada. “Se os nossos atores não estão confortáveis com algo, então é um não imediato”.

Também o Mind Simulation Lab, na voz (real) do seu CEO, diz prestar muita atenção às questões éticas da Inteligência Artificial. Segundo Leonid Derkyants, a “paródia” da voz da personagem Geralt não está disponível para uso público.

Ainda assim, e tal como aponta o modder de A Night to Remember, durante o projeto terá pedido ao Mind Simulation Lab linhas de discurso especificas, as quais terão sido disponibilizadas — deitando por terra o argumento de Derikyants.

ARM, ZAP //

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