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A época em análise: “Os jovens do Sporting não entraram quando o jogo estava resolvido”

João Silva, analista de futebol, elogia Rúben Amorim: os jovens do Sporting podem ser menos do que os mais experientes mas estiveram em campo quando o cenário era complicado. Há opções de Jorge Jesus difíceis de entender e há alguns bons (eventuais) sucessores de Sérgio Conceição. E há um problema no Rio Ave.

ZAP – A época futebolística ao mais alto nível acabou e vamos começar pelo mais recente: a final da Taça de Portugal. A expulsão de Helton Leite foi fundamental para a vitória do Sporting de Braga contra o Benfica ou vês algo mais?
João – Vê-se sempre algo mais mas é impossível não olhar para essa expulsão como algo que mudou o jogo. O Sp. Braga esteve sempre bem no jogo, mesmo quando estava em igualdade numérica. Depois da expulsão, mandou no jogo. Excelente primeira parte, ótima entrada na segunda parte, em que podia ter ampliado a vantagem. Mérito para o Benfica, que depois conseguiu equilibrar o jogo. Mas, em superioridade numérica, o Sp. Braga esteve quase sempre por cima do jogo e foi muito difícil para o Benfica responder ao primeiro golo e ter oportunidades de golo.

ZAP – Sporting campeão. És uma das muitas pessoas que ficaram surpreendidas ou, em agosto e setembro, quando olhaste para o plantel e para o treinador, pensaste que esta equipa ia lutar por algo mais do que o terceiro lugar?
João – Acho que toda gente ficou um pouco surpreendida. Mas o treinador não me surpreendeu. Sou um fã do Rúben Amorim, quer pelo seu trabalho, quer pela sua comunicação para fora do clube, quer pela liderança interna. O que me surpreendeu foi este título tendo em conta o plantel do Sporting. O comum adepto desconhecia vários nomes deste plantel, antes do início desta época, mas eles acabaram por fazer uma excelente temporada, com mérito dos próprios e com mérito desta mistura entre experiência e juventude. Destaco Coates, que fez uma época acima de qualquer expetativa e que encaixou que nem uma luva neste esquema de três centrais. E não concordo com a alegada “sorte” em vários jogos, por causa de o Sporting ter virado resultados na reta final de cada encontro. Isso está muito relacionado com a mistura de juventude com experiência e com a liderança de Rúben Amorim, que fez com que os jogadores acreditassem sempre e trabalhassem sempre até ao último minuto.

ZAP – Adán, Coates, Feddal, Palhinha, João Mário, Nuno Santos, Paulinho… A maioria dos jogadores do Sporting, dos que jogam mais, não veio agora dos juniores.
João – Quando eu falo da juventude, não falo tanto do número de jovens que foram jogando; para mim, a surpresa e uma das chaves neste campeonato foram a importância deles para Rúben Amorim e a confiança que o treinador tinha neles. Eles não entraram quando o jogo já estava resolvido. Eles jogaram em “jogos a doer”. E acredito que esta confiança, nesta tenra idade, foi a chave para eles fazerem a época que fizerem.

ZAP – Vai ficar sempre o “se”: e se o Sporting tivesse estado nas competições europeias?
João – Não tenho dúvida nenhuma de que teria tido uma época interna mais complicada. O plantel do Sporting não é muito extenso. Se tivessem aparecido mais lesões e se o calendário tivesse sido mais apertado… Poderiam ser campeões na mesma, obviamente. Aliás, na apresentação do Rúben Amorim, perguntaram: “E se esta aposta correr mal?”. Ele respondeu: “E se esta aposta correr bem?”. Mas sem dúvida que este afastamento da Europa pesou positivamente para a equipa.

ZAP – FC Porto, o campeão anterior, desta vez ficou no segundo lugar mas terminou o campeonato com 80 pontos. Falhou alguma coisa ou o Sporting foi melhor?
João – Falhou alguma coisa. O FC Porto só ganhou três jogos nas seis primeiras jornadas. Nessa altura o Sérgio Conceição ainda estava a testar alternativas táticas ao 4-4-2. Quando esse sistema estabilizou e quando o treinador percebeu que Taremi tinha de jogar, a equipa melhorou, foi ficando mais regular. As características dos jogadores e o modelo de jogo originaram dificuldades contra equipas com bloco baixo. O FC Porto fez uma época regular mas o Sporting teve aquele extra. Não foi uma má temporada mas, no FC Porto, não ser campeão é sempre uma temporada aquém dos objetivos.

ZAP – Faltou mais Corona?
João – Acho que não foi por aí. O Corona é um daqueles jogadores que dificilmente joga mal. Concordo com a parte de ele não se ter destacado tanto como no ano passado, mas outros jogadores do FC Porto acabaram por se destacar um bocadinho mais e compensaram esse extra que faltou ao Corona.

ZAP – Benfica: o regresso de Jorge Jesus, muitos milhões de euros investidos. Foi só a covid-19 ou a equipa falhou taticamente, falhou a comunicação entre treinador e jogadores, faltou nível a alguns jogadores…?
João – É impossível discordar das afirmações de Jorge Jesus sobre o impacto da doença no plantel do Benfica. Foi uma fase difícil e foi difícil contornar. Mas parece-me que Jesus se refugiou em demasia nessa questão. Tendo em conta o plantel do Benfica… Em termos individuais, seria o plantel favorito para ganhar este campeonato. Mas não é surpresa o facto de as individualidades não ganharem campeonatos. Jorge Jesus demorou a encontrar a chave para o plantel: sistema tático, ideia de jogo, a escolha dos jogadores… O maior exemplo é Haris Seferović. Continua a ser o “patinho feio” entre os adeptos…

ZAP – Mas marca.
João – …mas marca. No início da época o Benfica “dispensou” um jogador como Carlos Vinícius. Havia muita confiança nos golos de Darwin Núñez mas o suíço é que fez esse papel. E isso demorou a encaixar. Quando Lucas Veríssimo chegou, apareceu o sistema de três centrais, que resultou. A equipa melhorou, os resultados também mas, mesmo assim, entre as equipas principais do campeonato, o Benfica foi a equipa mais irregular. Mas como o processo defensivo melhorou, os resultados melhoraram consideravelmente. E o final de época deixa boas indicações para a próxima temporada. Mas, sem dúvida nenhuma, esta época ficou muito muito aquém das expectativas. Principalmente tendo em conta o panorama português e os 100 milhões de euros gastos em reforços. Não dá para fechar os olhos a essa situação.

ZAP – Como é que o Benfica “encosta” os melhores marcadores dos dois campeonatos anteriores (Vinícius e Seferović)?
João – Eu percebo a tua pergunta mas não tenho uma resposta concreta, porque tenho exatamente a mesma dúvida. No futebol atual os pontas-de-lança já não são jogadores que “só” marcam golos, deixaram de ser aqueles “matadores da área”, que têm pouca influência no processo ofensivo da equipa. Mas não podemos chegar ao outro extremo e quase ignorar o facto de ser preciso alguém que marque golos regularmente. Darwin Núñez tem características muito boas, tem muito potencial, mas não é um goleador, pelo menos para já. E é preciso alguém que marque golos.

ZAP – Sporting de Braga, quarto classificado. Carlos Carvalhal falou muitas vezes no desgaste, no número de jogos e nas lesões. A sequência negativa nos últimos meses foi uma consequência da acumulação de jogos e do número de lesões? Ou faltou um plantel mais equilibrado em alguns momentos?
João – Esses dois fatores são muito difíceis de ultrapassar para uma equipa como o Sp. Braga. Nesta temporada ficou a sensação de que podiam ter feito algo mais, sobretudo com FC Porto e Benfica longe da melhor forma. Sobre as lesões, foram poucos os titulares habituais que se lesionaram, mas faltaram opções. Talvez o plantel pudesse ser um pouco mais extenso. Carvalhal apoiou-se várias vezes em jogadores da formação do clube. Mas a época foi bastante positiva: quarto lugar, boa campanha na Europa, final da Taça da Liga e final da Taça de Portugal. A reta final foi bastante negativa: três vitórias nos últimos 12 jogos. Mas, de resto, apresentou um futebol estável, atrativo, com uma ideia bastante positiva.

ZAP – Paços de Ferreira e Santa Clara vão à Europa, o Vitória de Guimarães não. O Santa Clara foi uma surpresa para ti?
João – É um clube que tem feito boas temporadas. Tem um projeto estabilizado, liderado com cabeça. Claro que é surpresa, porque é a primeira vez que vai às competições europeias, mas é merecido. Do quinto classificado para baixo, só o Santa Clara teve uma diferença de golos positiva. Tem um plantel sólido, com várias boas referências. A sua época foi regular, algo que não aconteceu em Guimarães. O Paços de Ferreira apresentou um futebol muito positivo. O seu treinador, o Pepa, está claramente de parabéns. O seu trio de médios (Luiz Carlos, Bruno Costa e Eustáquio) fez uma temporada fenomenal.

ZAP – Mais abaixo, o Rio Ave, que no início da época ficou literalmente a centímetros de afastar o AC Milan da Liga Europa e depois ficou em antepenúltimo lugar. Aderllan Santos, Mané, Geraldes, Dala, Tarantini, Coentrão… O que aconteceu ali?
João – Ainda bem que lembraste o arranque da época, na tua pergunta. No início, esse jogo com o AC Milan pode ter pesado. Não foi só a questão do penálti que não entrou: o Rio Ave estava a ganhar o jogo até ao último lance do prolongamento, até que o Borevkovic originou uma grande penalidade escusada. É muito difícil, naquele momento, porque todos sabiam da importância de uma vitória diante do AC Milan. Esses jogos europeus no início do ano dificultaram o início da equipa no campeonato. Depois a equipa pode ter ficado bloqueada, sem conseguir superar esse insucesso. Mário Silva saiu, Miguel Cardoso voltou e a equipa entrou numa fase mais positiva. Mas a reta final mostrou que faltava um ponta-de-lança. O plantel tem criatividade suficiente, tem individualidades mais do que suficientes, mas faltou um ponta-de-lança. O Rio Ave foi o pior ataque do campeonato, ao lado do Belenenses.

ZAP – Farense e Nacional tinham subido e desceram.
João – Nesta época, ao contrário de outros anos, não tivemos um “lanterna-vermelha” a jogar um futebol paupérrimo. Este ano foi bastante positivo nesse aspeto porque a maioria das equipas que lutaram para não descer apresentou um bom futebol. Podiam estar a lutar para não descer a quatro jornadas do fim mas podiam acabar o campeonato a lutar por um lugar europeu. Foi muito equilibrado. O Nacional, quando entrou nesta espiral negativa, era previsível que acabasse por cair. Na primeira metade jogou bom futebol, apresentou qualidade. O Farense teve excelentes momentos e tem um jogador que fez uma temporada fora de série: o Ryan Gauld. Algum clube teria de descer. Qualquer clube que estivesse ali naquela zona da classificação, se descesse, seria um bocado injusto. Parabéns aos clubes envolvidos, fizeram todos uma boa época.

ZAP – Só uma pergunta no mundo das previsões: encontras um bom eventual sucessor de Sérgio Conceição? 
João – É bastante difícil responder a isso. É compreensível se ele sair, que será mais uma decisão do próprio treinador do que da direção. Possíveis substitutos: Vítor Pereira, Luís Castro, Leonardo Jardim e Paulo Fonseca têm qualidade para assumir o projeto de um candidato ao título.

Entrevista completa:

Nuno Teixeira, ZAP //

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