A Covid-19 usa uma “porta dos fundos” secreta para infetar o nosso cérebro

Um novo estudo sugere que o SARS-CoV-2 – o vírus que causa a Covid-19 – pode preferencialmente utilizar uma “porta das traseiras”, nas células, para infetar o nosso cérebro.

Os cientistas já suspeitavam que o SARS-CoV-2 poderia entrar no sistema nervoso central, mas o mecanismo de como o vírus se movia do trato respiratório para o cérebro permaneciam até então, desconhecido.

No novo estudo, publicado na semana passada Nature Microbiology, os investigadores conseguiram identificar mutações na proteína spike do vírus – essencial para a entrada nas células humanas ao ligar-se à molécula ACE2 na superfície celular.

Judd Hultquist, da Northwestern University, que fez parte da investigação, explicou à Live Science que o vírus pode entrar numa célula de duas maneiras: pela superfície (porta da frente) ou internamente (porta das traseiras).

“A proteína spike do SARS-CoV-2 reveste o exterior do vírus e permite-lhe entrar numa célula. Normalmente, o vírus pode entrar na célula de duas maneiras: ou na superfície da célula (através da porta da frente) ou internamente depois de ser levado para dentro da célula (através da porta dos fundos)”, explicou.

O sítio de clivagem da furina – uma parte crucial da proteína spike – facilita a entrada pela porta da frente. Contudo, se este sítio sofrer mutação ou for removido, o vírus fica limitado à via da porta traseira.

Se, por um lado, as células das vias respiratórias e dos pulmões são altamente suscetíveis ao SARS-CoV-2, permitindo a entrada do vírus por ambas as vias; por outro, para infetar o cérebro, o vírus parece precisar da via da porta traseira.

Experiências em ratinhos geneticamente modificados – cujas células produzem ACE2 humano – revelaram que a mutação no sítio de clivagem da furina aumentou significativamente a infeção das células cerebrais.

“Descobrimos que os ratinhos infetados com o SARS-CoV-2 normal tinham alguma infeção no cérebro, mas que havia muito mais células infetadas quando o vírus tinha uma mutação no local de clivagem da furina”, explicou Hultquist.

Como refere a Live Science, embora ainda não seja possível dizer se estas células infetadas são responsáveis pelos sintomas neurológicos da Covid-19, a equipa de investigação observou taxas elevadas de infeção nas células do hipocampo e do córtex pré-motor, que estão associadas à memória e ao movimento, respetivamente.

Esta descoberta vem ajudar a explicar os vários sintomas neurológicos como fadiga, nevoeiro cerebral, tonturas e perda de olfato ou paladar, observados em muitas pessoas, durante ou após a infeção.

Serão agora necessários mais estudos, para verificar se o mesmo mecanismo ocorreo em humanos. Judd Hultquist destaca que entender como o vírus entra no cérebro poderá abrir novas possibilidades de tratamento para os efeitos neurológicos da Covid-19.

“Saber que o vírus precisa da porta dos fundos para infetar o cérebro oferece oportunidades únicas para pará-lo. As pequenas moléculas que bloqueiam esta via podem ser particularmente eficazes na prevenção da infeção do cérebro e das complicações que daí advêm. O próximo desafio será descobrir não só quais os medicamentos mais capazes de o fazer, mas também quais os que conseguem chegar ao cérebro”, conclui o especialista.

ZAP //

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