A nossa capacidade de olhar para símbolos abstratos e transformá-los em sons é uma das habilidades-chave para nos tornarmos bons leitores.
No mundo académico, isto é conhecido como processamento fonológico, e esta habilidade pode variar de pessoa para pessoa, com condições como a dislexia a aumentarem a dificuldade, segundo a Science Alert.
Num novo estudo, publicado na PLOS Biology a 5 de abril, uma equipa de investigadores testou duas hipóteses supostamente opostas, sobre a forma como as estruturas cerebrais se relacionam com a capacidade de leitura, e estranhamente encontrou provas de ambas.
O cérebro humano é naturalmente assimétrico, e pensa-se que algumas das estruturas do lado esquerdo estão envolvidas no processamento da linguagem.
De acordo com a hipótese chamada “lateralização cerebral“, quanto mais assimetria do lado esquerdo, melhor é a capacidade de leitura.
Por outro lado, também pode acontecer que a presença de assimetrias na parte esquerda do cérebro simplesmente reforce os traços necessários à leitura — aquilo a que a equipa chama a “hipótese de canalização”. Nessa hipótese, mais assimetrias apenas equivalem a uma capacidade média de leitura.
Parece agora que, dependendo do nível de análise — seja em todo o hemisfério cerebral ou em regiões específicas — ambas as hipóteses se verificam.
A equipa constatou que a capacidade de leitura aumentou, de facto, com uma maior assimetria no hemisfério esquerdo, mas apenas ao olhar para a estrutura mais assimétrica, tendo essencialmente em conta o hemisfério como um todo.
Os investigadores da Universidade de Medicina da Carolina do Sul utilizaram dados de ressonância magnética (RM) da investigação anterior para identificar diferenças estruturais assimétricas, nos cérebros de mais de 700 crianças e adultos.
Embora semelhante à ressonância magnética funcional, que mede a atividade metabólica, os exames de ressonância magnética desenham um mapa do cérebro que revela estruturas anatómicas.
Os participantes também foram convidados a realizar testes de capacidade de leitura, incluindo algumas provas que pediam para vocalizar pseudo-palavras: palavras inventadas que envolvem um grau elevado de processamento, porque o nosso cérebro não está condicionado a elas — a isto chama-se descodificação fonológica.
Uma vez determinados os níveis de assimetria cerebral, os investigadores descobriram que quando uma pessoa tinha a região cerebral mais assimétrica do hemisfério esquerdo, uma maior assimetria era associada a um melhor desempenho na tarefa de leitura de pseudo-palavras.
“A assimetria esquerda no tamanho do giro temporal superior, em particular, é normalmente usada para refletir a organização hemisférica esquerda para a linguagem e, quando perturbada, contribui para uma má capacidade de leitura, de acordo com uma hipótese de lateralização cerebral”, escreveu a equipa.
Sob a hipótese de lateralização cerebral, cada lóbulo do cérebro é especializado na sua capacidade de executar tarefas cognitivas específicas.
O lado esquerdo está geralmente associado a processos relacionados com a linguagem, mas pesquisas anteriores sofreram com o facto de terem amostras de tamanho reduzido, e descobertas que também mostram atividade no hemisfério direito quando as pessoas realizam tarefas baseadas na linguagem.
Ainda não é claro que as diferenças funcionais entre os hemisférios dependam das suas diferenças estruturais, mas as regiões específicas do lado esquerdo do cérebro são seguramente maiores do que as mesmas regiões do lado direito.
Entretanto, a equipa também descobriu que se certas regiões específicas do cérebro fossem mais exageradas nas suas diferenças estruturais entre os dois lóbulos, era mais provável que a pessoa se situasse dentro da média da capacidade de leitura.
Isto enquadra-se na hipótese de canalização, que pode ser vista como uma agulha a mover-se ao longo de uma ranhura, pelo que mantém uma trajetória predeterminada.
No caso do processamento e leitura da linguagem, mecanismos genéticos protetores fariam efeito para desenvolver as assimetrias cerebrais necessárias.
Uma vez que estes mecanismos são expressos de forma fiável, o processamento fonológico é tipicamente limitado, dentro de um intervalo normal.
A ausência destas assimetrias permitiria a expressão sem constrangimentos de capacidades mais elevadas.
“As nossas descobertas indicam que, a nível populacional, as assimetrias estruturais do cérebro estão relacionadas com o desenvolvimento normal de uma capacidade de processamento do som da fala, que é importante para estabelecer uma leitura proficiente”, afirma Mark Eckert, autor principal da Universidade de Medicina da Carolina do Sul.
Estranhamente, o desempenho na tarefa de leitura de pseudo-palavras não estava relacionado com assimetrias em regiões do hemisfério esquerdo, conhecidas por serem importantes para funções linguísticas específicas.
Isto deixa em aberto a questão de como exatamente estas assimetrias estruturais, em escalas maiores, afetam as capacidades de leitura das pessoas.
“As hipóteses de lateralização e canalização cerebral podem ter ambas validade, mas a escalas diferentes de organização e função cerebral”, sublinha a equipa.
“Um maior grau de assimetria dentro do hemisfério esquerdo pode permitir um processamento fonológico mais eficiente, talvez devido a uma maior especialização hemisférica”, concluem os investigadores.