Tarifas-base baratas fazem condutores recusar viagens. Para acelerar a atribuição a um condutor, plataformas promovem pagamento de valor extra quando se pede uma viagem. É uma forma de “circundar” os limites dos preços, diz APTAD.
Os utilizadores de plataformas de transporte como a Uber e a Bolt têm notado nos últimos meses uma nova proposta nos seus telemóveis ao solicitarem uma viagem: pagar um valor adicional para garantir uma chegada mais rápida de um condutor.
A funcionalidade — “UberX Priority” na Uber e serviço prioritário na Bolt — é destinada a quem não quer ou não pode esperar muito tempo pela atribuição de um motorista, mas estará dentro da legalidade?
Numa simulação concreta do Público, para uma viagem de 5,38 euros, a opção prioritária implicou um acréscimo de 1,59 euros — um aumento de 29%.
O serviço funciona como um embarque prioritário nos aviões, sustentam as empresas, mas as associações que representam motoristas e operadores têm uma leitura diferente.
Este serviço “é, na prática, um subterfúgio criado pelas plataformas para apresentar um preço mais elevado ao cliente sem acionar formalmente a tarifa dinâmica, que teria efeitos em toda a zona geográfica e sobre todos os utilizadores”, denuncia Ivo Miguel Fernandes, presidente da Associação Portuguesa de Transportadores em Automóveis Descaracterizados (APTAD).
Para o responsável, a origem do problema está nas tarifas-base demasiado baixas, que não compensam os custos operacionais, o que leva muitos motoristas a recusar viagens que não lhes compensem monetariamente.
Também Victor Soares, presidente da Associação Nacional Movimento TVDE (ANM-TVDE), aponta que o serviço prioritário é uma resposta à falta de motoristas dispostos a aceitar determinadas tarifas.
É um “incentivo económico direto aos motoristas” para que aceitem a viagem.
A escassez de profissionais é explicada por dois fatores: atrasos nos exames do IMT, que dificultam a entrada de novos motoristas no mercado, e a diminuição do número de motoristas ativos, que optam por aceitar apenas as viagens mais vantajosas.
Embora esta funcionalidade já exista desde o ano passado, tornou-se cada vez mais popular, especialmente no verão, meses com mais procura.
Dados do IMT mostram que, em julho, havia 38.922 motoristas de TVDE em atividade — um aumento de 4,3% face a fevereiro, mas ainda insuficiente para dar resposta a picos de procura sem tempos de espera prolongados.
A APTAD denuncia o que chama de “segmentação artificial” do serviço, argumentando que não existe qualquer melhoria efetiva na experiência do passageiro, apenas um custo adicional.
Por sua vez, a Bolt e a Uber defendem que a aceitação deste custo extra é totalmente voluntária e cumpre os limites impostos pelo regulador.
Em Portugal, o valor final de uma viagem não pode ultrapassar o dobro da tarifa-base, sendo que, na maioria dos casos, os aumentos ficam muito abaixo desse limite.