Elementos não fazem parte do seu vocabulário: tentaram aprender a contar até 10 em portugês, mas abandonaram as aulas. Dizer “pequena quantidade” e “quantidade maior” é suficiente na tribo amazónica.
No coração da floresta amazónica, há uma comunidade indígena cuja língua e cultura levam especialistas a repensar ideias antigas sobre cognição humana e linguagem.
Os Pirahã, que habitam pequenas aldeias ao longo do rio Maici, no Brasil, falam uma língua que parece não ter palavras para números exatos, nem termos para cores — uma raríssima característica que há décadas alimenta o debate entre linguistas.
Com uma população estimada em cerca de 700 pessoas, os Pirahã levam um modo de vida semi-nómada, conta o IFLS.
A sua língua tornou-se conhecida graças ao linguista Daniel Everett, missionário que chegou à Amazónia no final da década de 1970 com o objetivo de traduzir a Bíblia e converter os Pirahã ao cristianismo — uma missão que abandonou para se dedicar ao estudo da língua e da cultura desta comunidade do Brasil.
Nos seus primeiros estudos, Everett sugeriu que os Pirahã usavam as palavras hói e hoí para “um” e “dois”, diferenciadas por um ligeiro tom na pronúncia.
Contudo, em 2005, o próprio reviu esta interpretação e defendeu que esses termos não indicavam números exatos, mas quantidades relativas, como “pequena quantidade” e “quantidade maior”. Existia ainda o termo baàgiso, que se refere aproximadamente a “muitos” ou “juntar”.
A língua Pirahã não inclui palavras para números precisos, nem quantificadores como “todos”, “cada”, “a maioria” ou “alguns”.
Tentativas de ensinar conceitos numéricos aos Pirahã fracassaram. Everett e a família organizaram aulas noturnas durante oito meses, em 1980, para ajudar os adultos da aldeia a aprender a contar até dez em português. Apesar do entusiasmo inicial, os Pirahã acabaram por abandonar as aulas.
Esta dificuldade em compreender números foi confirmada por experiências realizadas anos mais tarde pelo filho de Everett, Caleb, também linguista antropológico. Num dos testes, adultos Pirahã foram convidados a alinhar balões de borracha para corresponder ao número de carretéis de linha mostrados.
Embora conseguissem alinhar pequenas quantidades, falhavam quando os números ultrapassavam dois ou três.
O trabalho do ex-missionário desafia a teoria da gramática universal, proposta por Noam Chomsky, que defende que todos os seres humanos nascem com uma capacidade inata para a linguagem — um conjunto de princípios gramaticais comuns a todas as línguas.
Segundo esta teoria, a diversidade linguística ocorre dentro de um quadro universal inscrito no cérebro humano.
Para Everett, a língua Pirahã mostra o contrário: a cultura, e não a biologia, molda a linguagem. Na sua opinião, a estrutura da língua reflete a visão do mundo específica do povo Pirahã e não um padrão universal. Como escreveu em 2005, “a gramática universal proposta por Chomsky deve ser revista”.
Mas as ideias de Everett também foram contestadas, tal como ele contestou Chomsky. Críticos admitem que o ex-missionário pode ter interpretado mal certos aspetos da gramática Pirahã e que as provas da ausência de conceitos de quantidade não são conclusivas.