O dom de super-olfato de uma antiga enfermeira pode dar origem a um teste precoce e não invasivo para o Parkinson.
Aos 45 anos, muito antes de os médicos lho dizerem, Joy Milne sabia que algo estava errado com o seu marido, Les. Começou com uma mudança no seu cheiro — um odor almiscarado e ceroso que ela não conseguia identificar.
Dezassete anos depois, quando Les foi diagnosticado com a doença de Parkinson, as peças encaixaram-se, conta o ZME Science. Mais tarde, num grupo de apoio, ela sentiu-o novamente: o mesmo aroma distinto que se agarrava a outras pessoas com a doença.
Isto não era uma coincidência. E não é apenas Parkinson. Milne afirma que cada doença tem um cheiro diferente. “É o meu super-poder“, disse a enfermeira há dois anos numa TEDx Talk.
A antiga enfermeira de 75 anos — nascida com uma condição rara chamada hiperosmia, que intensifica o seu sentido de olfato — está agora no centro de uma demanda científica para desenvolver o primeiro teste simples e não invasivo do mundo para o Parkinson.
Numa pesquisa que está a ser conduzida na Universidade de Manchester, o superpoder olfativo de Milne poderá levar a um teste de zaragatoa que procura sinais de odores de Parkinson no sebo, a substância oleosa segregada pela pele.
Um nariz que superou os neurologistas
A história de Joy poderia ter ficado apenas como um caso episódico, mas em 2013 a enfermeira escocesa conheceu a professora Perdita Barran, química da Universidade de Manchester. Intrigada, Barran concebeu uma experiência simples mas por definição esclarecedora.
A professora pediu a Milne que cheirasse t-shirts usadas durante a noite — algumas por pessoas com Parkinson, outras por voluntários saudáveis. Milne acertou em quase todas as t-shirts das pessoas afetadas pela doença.
Apenas uma t-shirt do grupo de controlo foi mal identificada. No entanto, nove meses mais tarde, a pessoa que a tinha usado foi diagnosticada com Parkinson. Milne não tinha apenas passado no teste — tinha cheirado o futuro.
A proeza da enfermeira chamou a atenção da ciência — que nunca mais lhe largou o nariz.
A que cheira o Parkinson?
A doença de Parkinson afeta mais de 10 milhões de pessoas globalmente. É a doença neurológica de crescimento mais rápido no mundo, a segunda apenas depois do Alzheimer em prevalência.
Pensa-se que é causada pela perda de neurónios produtores de dopamina numa parte do cérebro chamada substância negra, ligada ao movimento e tónus muscular. Mas é frequentemente diagnosticada demasiado tarde — depois de mais de metade dos neurónios produtores de dopamina do cérebro já terem morrido.
Milne consegue cheirá-la muito mais cedo.
Descobriu-se que a doença altera o sebo do corpo — uma substância cerosa segregada pela pele. Em colaboração com Barran, Milne ajudou a identificar onde o cheiro reside: não no suor, mas nas regiões oleosas da testa, costas e couro cabeludo.
Os compostos por trás do odor incluem moléculas como o ácido octadecanoico, um éster metílico que tem um aroma ceroso e almiscarado.
A equipa de Barran recolheu sebo com uma simples zaragatoa e analisou-o usando cromatografia gasosa com espectrometria de massa (GC-MS), uma técnica analítica que identifica as moléculas numa amostra.
A equipa descobriu uma assinatura bioquímica complexa: cerca de 27.000 características moleculares, 10% das quais diferem em pessoas com Parkinson. Não há uma “molécula de Parkinson”, mas sim uma gama de padrões associados à doença, e o nariz de Milne é tão notável que consegue distinguir este subtil buquê.
Ninguém tinha percebido que o sebo era diagnosticamente útil, disse Barran recentemente ao The Telegraph. “Estamos a medir a doença e o efeito da doença — e a medicação em alguns casos — no indivíduo. E ninguém tinha feito isso antes“.
Do super-olfato ao teste de zaragatoa
Barran, que fundou uma empresa focada na utilização do sebo como fluido de diagnóstico — não apenas para o Parkinson, mas eventualmente para outras doenças também — está já a analisar potenciais marcadores para problemas cardiovasculares relacionados com o Parkinson.
O objetivo final é um teste de zaragatoa na pele que possa detetar o Parkinson anos antes do aparecimento dos sintomas.
Os ensaios iniciais, financiados pela Fundação Michael J. Fox, mostram uma precisão de 96,7% — muito melhor que os 50% de precisão dos encaminhamentos de médicos de clínica geral.
O teste também pode ajudar as mulheres com Parkinson, que são frequentemente diagnosticadas tardiamente porque os sintomas imitam a menopausa.
“Queremos determinar se as pessoas com Parkinson têm um perfil de sebo distinto que está ligado a um perfil de odor distinto que pode ser detetado e identificado com as plataformas humanas / analíticas propostas”, disse a fundação.
O ator Michael J. Fox tinha apenas 29 anos quando anunciou o seu diagnóstico de Parkinson em 1991.
Mas a deteção precoce traz algumas questões grandes e difíceis de enfrentar. Sem cura ainda, saber antecipadamente é uma bênção ou um fardo?
Para Milne, cujo marido faleceu em 2015, a resposta é que as suas vidas teriam sido mais fáceis se tivessem compreendido mais cedo o que estava prestes a acontecer.