Tolga Bozoglu / EPA

O presidente da Turquia, Recep Erdogan
A inação da União Europeia (UE) face à detenção de um líder da oposição na Turquia está a preocupar os observadores internacionais. Esta inação pode ter implicações para a credibilidade do próprio projeto europeu.
Bruxelas não está a saber lidar com mais um grande deslize em direção à autocracia na Turquia.
Num artigo no The Conversation, a especialista em Relações Internacionais da Universidade de Leiden (Países Baixos), Seda Gurkan, explica porquê.
Ao longo da última década, as instituições democráticas fundamentais têm sido sistematicamente corroídas na Turquia, sob o domínio de Recep Tayyip Erdoğan, que está no poder desde 2003.
A liberdade dos meios de comunicação social, a independência do poder judicial e a sociedade civil têm sido alvo de ataques. Um ponto de viragem importante ocorreu em 2016, quando a Turquia abandonou a sua democracia parlamentar em favor de um sistema presidencial hiper-centralizado. Desde então, o parlamento nacional tem sido marginalizado e quase todos os controlos do poder executivo foram erodidos.
Mas uma nova era pode ter começado a 19 de março, com a detenção de Ekrem İmamoğlu, presidente da Câmara de Istambul.
İmamoğlu é visto como o principal rival eleitoral de Erdoğan. Com esta detenção, a presidência ficou tremida. Este facto não é apenas um golpe para a oposição, mas indica potencialmente o fim das eleições livres na Turquia, de acordo com alguns observadores.
Tudo isto tem estado a acontecer mesmo ‘à beira’ da UE, num país que continua a ser, pelo menos nominalmente, candidato à adesão à UE. No entanto, Bruxelas tem-se mantido em silêncio. Este silêncio pode revelar-se um erro estratégico.
Porquê o silêncio da UE?
A reação da UE à detenção de İmamoğlu tem sido, “no mínimo, cautelosa” – escreve Seda Gurkan.
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, emitiu uma expressão cuidadosamente redigida de “profunda preocupação”. O porta-voz da UE repetiu um refrão familiar, dizendo que, como país candidato, a Turquia deve “defender os valores democráticos”.
Na sua declaração conjunta, Kaja Kallas, Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, e Marta Kos, Comissária para o Alargamento, adoptaram um tom igualmente cauteloso. A Turquia deverá aplicar os mais elevados padrões e práticas democráticas”, afirmaram.
Só o Parlamento Europeu, há muito considerado o porta-estandarte dos valores da UE, adoptou uma posição mais direta. Vários grupos políticos criticaram abertamente a Turquia durante a sessão plenária de 1 de abril.
Mas estas expressões de preocupação e atos de solidariedade para com Ekrem İmamoğlu não foram acompanhados por ações credíveis ou condenações suficientemente potentes para ter um efeito dissuasor no governo turco.
Como muitos observadores notaram, os interesses estratégicos da UE têm-se sobreposto cada vez mais ao seu compromisso com os princípios democráticos.
“Não é segredo que a UE nunca teve uma visão estratégica coerente em relação à Turquia”, escreve a especialista.
Num exemplo paradigmático da natureza transacional da relação, a UE confiou o desafio dos refugiados à Turquia em 2016, em troca de ajuda financeira a Ancara. Tratou-se de um acordo orientado não por objetivos a longo prazo, mas por pragmatismo a curto prazo.
Atualmente, numa era de crescente instabilidade geopolítica, a Turquia tornou-se um parceiro mais importante para a UE. Ancara comanda o segundo maior exército da NATO, possui uma indústria de defesa em rápido desenvolvimento e tem uma vasta experiência em operações de manutenção da paz e fora de área. Todos estes factores são cada vez mais valiosos à medida que os EUA, sob a presidência de Donald Trump, se afastam da segurança europeia.
Se acrescentarmos o receio de desestabilização na vizinhança imediata da UE, torna-se mais claro porque é que Bruxelas pode preferir a “estabilidade” sob Erdoğan à incerteza do período pós-Erdoğan.
A estratégia errada
No seu artigo, Gurkan escreve que não fazer frente à Turquia, num momento como este, é um erro – “e um erro com consequências a longo prazo“.
A UE deve preocupar-se com o que está a acontecer na Turquia, não só por causa da democracia turca, mas também pela sua própria segurança. A forma como responde tem implicações para a credibilidade do próprio projeto europeu.
Como demonstrou a posição da Hungria em relação à Rússia desde a invasão em grande escala da Ucrânia em 2022, se não houver acordo sobre os valores fundamentais, o alinhamento dos interesses estratégicos torna-se cada vez mais difícil. A Turquia é uma potência regional autoconfiante e assertiva e não hesitará em seguir uma política externa que poderá divergir ideologicamente da da UE.
As recentes decisões de política externa da Turquia ilustram-no perfeitamente. Um exemplo paradigmático foi a decisão da Turquia de comprar sistemas de defesa antimíssil S-400 à Rússia, o que criou problemas de interoperabilidade com os aliados da NATO.
Além disso, as ideias autocráticas tendem a ser contagiosas. Quando um país segue uma trajetória mais antiliberal, isso afecta a sua vizinhança mais alargada. Se fecharmos os olhos à viragem autoritária da Turquia e cooperarmos em matéria de segurança e defesa, corremos o risco de legitimar o modelo de governação de Erdoğan. Isto poderia reforçar ainda mais o eixo iliberal na região. Por último, a UE corre o risco de alienar os democratas e as gerações mais jovens na Turquia.
Apesar dos altos e baixos nas relações entre a UE e a Turquia, os cidadãos turcos têm demonstrado consistentemente um forte apoio à UE.
“Manter esta dinâmica não é apenas uma responsabilidade ética ou uma questão de credibilidade para a UE – é também um investimento a longo prazo na construção de um vizinho mais democrático, fiável e estável”, conclui Gurkan.
ZAP // The Conversation