António Pedro Santos / Lusa

Os telefonemas foram um dos protagonistas do debate da moção de confiança
No meio de várias propostas e contra-propostas, o chumbo anunciado da moção de confiança do Governo acabou por se concretizar. Portugal vai mesmo a novas eleições legislativas; as terceiras em três anos.
Num debate marcado com muito barulho, telefonemas em pleno plenário entre líderes parlamentares e propostas em cima da hora, o Parlamento decidiu o destino da moção de confiança do Governo e, por consequência, do país.
O mote foi dado pelo primeiro-ministro, que começou a sua intervenção questionando se há “confiança institucional do Parlamento para o Governo”, ao que alguns deputados responderam alto “não”.
Luís Montenegro realçou que a moção de confiança não exige a “adesão política” ao programa do executivo, mas considera que não pode “prescindir da confiança institucional”.
A batata quente foi novamente atirada a Pedro Nuno Santos, que Montenegro acusou de “populismo” e de mentir sobre a Spinumviva. “A posição do PS é decisiva e definirá se vamos ou não ter eleições”, referiu o primeiro-ministro, que disse ainda que hoje iria ficar claro se “os socialistas se coligam com a extrema-direita para derrubar um Governo democrático“.
O chefe do Governo fez ainda uma proposta ao PS logo na abertura do debate. “Lanço um desafio direto ao secretário-geral do PS: estou disponível para suspender esta sessão se o senhor deputado Pedro Nuno Santos disser em concreto que informação pretende, de que forma, em que prazo, para de uma vez por todos dizer ao país se está ou não esclarecido”, afirmou.
Mágoa do Chega e comparação a Trump
Nos pedidos de esclarecimento após a abertura de Montenegro, Paulo Núncio, do CDS foi o primeiro a falar. “Espero que Pedro Nuno Santos tenha a coragem de hoje responder ao apelo do primeiro-ministro e acabar com esta irresponsabilidade”, apelou, atirando a culpa da crise para a “espiral destrutiva das oposições”.
Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, falou a seguir e confrontou o primeiro-ministro diretamente: “Se não quer eleições, porque apresentou moção de confiança? Ninguém o obrigou a apresentá-la“. A líder bloquista refere ainda que Montenegro não deu mais nenhum esclarecimento nas respostas por escrito sobre a lista de clientes, os montantes recebidos ou provas dos serviços prestados.
Se Montenegro e Pedro Nuno trocam culpas, André Ventura aproveitou para culpar os dois. O líder partidário lembrou ainda que a AD recusou a oportunidade de fazer uma “maioria histórica” com o Chega e aponta ainda que a “altivez, a incapacidade de governar, a arrogância” de Montenegro podem levar a um regresso do PS ao poder.
Do lado do PAN, Inês Sousa Real considera que “a moção de confiança tem por origem factos que são da única responsabilidade do primeiro-ministro” e que “temos ouvido uma crónica com morte anunciada cujo narrador não tem querido contar a história toda”.
Do PCP, Paulo Raimundo considera que Montenegro se devia ter demitido e que não pode “justificar o injustificável” com um “exercício de vitimização”. “O PCP recusa participar em jogos de sombra. Não alimentamos toda esta novela em detrimento daquilo que é preciso resolver: a vida das pessoas”, considera o deputado.
Rui Tavares considera que “não é leal atirar a escolha da sua absolvição ou condenação aos portugueses como se o país fosse um tribunal“. O líder do Livre citou os exemplos do novo primeiro-ministro do Canadá, que entregou a sua empresa a uma entidade independente, e de Trump. “O presidente dos Estados Unidos diz ‘quando houver um conflito de interesses, confiem em mim’. Porque é que perante estes exemplos, não escolheu o do primeiro-ministro do Canadá?”, questionou.
Pela IL, Rui Rocha declarou que “os responsáveis políticos têm falhado aos portugueses”. O Governo, “entre dar explicações e ir a eleições, optou por ir a eleições”, e a oposição, “entre obter explicações e ir a eleições, optou por ir a eleições”. “É de todos uma enorme responsabilidade”, lamentou.
“O PS sempre deu condições para governar”
Pedro Nuno Santos acusou Montenegro de estar “zangado”, mas aponta que a crise política é da “exclusiva responsabilidade do primeiro-ministro”.
“O PS deu, desde dia 10 de Março de 2024, todas as condições para que pudesse governar”, frisou o líder do PS, que recorda que o PS viabilizou o Orçamento do Estado, chumbou duas moções de censura.
O socialista refere que “hoje infelizmente temos muito mais razões para chumbar a moção de confiança”. “Comunicou mal com o Tribunal Constitucional, entidade da transparência, com a comunicação social, com todos os grupos parlamentares. Não conseguiu convencer ninguém da sua razão ou verdade”, acusou.
“O único objetivo do primeiro-ministro é ir para eleições antes de uma CPI. Se quer evitar ir para eleições, a solução é retirar a moção de confiança e aceitar a comissão parlamentar de inquérito”, repetiu.
Pausa de 30 minutos à 25.ª hora?
Um dos protagonistas do debate foi Hugo Soares, o líder parlamentar do PSD, queesteve bastante atarefado com telefonemas constantes com Pedro Nuno Santose Luís Montenegro, assim como repetidas saídas e entradas do hemiciclo.
A meio do debate, soube-se para que era tanta azáfama. Num momento caricato, Hugo Soares fez um requerimento para uma pausa de 30 minutos para que Montenegro e Pedro Nuno Santos negociassem à porta fechada.
A proposta foi rapidamente criticada pela oposição. “Isto é o pior para a nossa democracia, é um partido a querer esconder-se das pessoas. É inaceitável”, afirmou Ventura, que descreveu o pedido como um “teatro desesperado do PSD”.
A deputada do Livre Isabel Mendes Lopes também contestou um encontro que excluísse os restantes partidos. “A conferência de líderes pode reunir de urgência, mas não é isso que está aqui em causa.”, disse.
Alexandra Leitão, líder parlamentar do PS, também recusou categoricamente a proposta. “Querem interromper, não sabemos bem para quê, para fazer uma reunião privada, não sabemos bem para quê. O PS não quer esclarecimentos para si, quer esclarecimentos para o país e, por isso, têm de ser públicos”, rejeitou.
A proposta acabou por ser chumbada, com os votos a favor apenas do PSD, CDS e Iniciativa Liberal, e o debate foi prontamente retomado.
E se for uma CPI de 15 dias?
Outra situação inusitada surgiu pouco depois, com o Governo a propor retirar a moção de confiança e aceitar a comissão parlamentar de inquérito do PS, mas com uma duração de apenas 15 dias — e não de 90 dias, como os socialistas querem.
A sugestão foi também rejeitada pelo PS. “Uma comissão parlamentar de inquérito de 15 dias não é uma comissão de inquérito. O prazo mais sério é o que o PS propõe, de 90 dias. E não é o escrutinado que define os prazos e termos do escrutínio. Se querem ser transparentes e se aceitam a CPI do PS tal como ela está, retirem a moção de confiança”, ripostou Alexandra Leitão.
Moção é chumbada e vamos a eleições
E, no fim de contas, no meio de tantos telefonemas, propostas e contra-propostas, o resultado acabou por ser o mesmo que já se esperava: o Governo caiu.
A moção de confiança foi chumbada com os votos contra do PS, Chega, BE, PCP, PAN e Livre e votos a favor do PSD, CDS e IL.
O país está assim a caminho de novas eleições, que deverão ser marcadas para 11 ou 18 de maio.
A proposta da reunião a dois faz-me lembrar a reunião de Putin com Trump, a sós, para decidirem sobre a paz na Ucrânia! É mesmo muito democrático.