Mário Soares foi o grande vencedor do 25 de novembro. Hoje recusaria comemorações

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António Cotrim / Lusa

O ex-presidente da República e ex-líder do PS, Mário Soares

Joaquim Vieira, autor de uma biografia de Mário Soares, diz que o histórico líder socialista foi “grande vencedor” no 25 de novembro. No entanto, se hoje fosse vivo, recusaria as comemorações no parlamento. “Ponho as mãos no fogo”.

Mário Soares foi um “grande vencedor” do 25 de Novembro, ao inspirar a criação do Grupo dos Nove, que travou a derrapagem para uma ditadura de esquerda,

No entanto, se ainda fosse vivo, recusaria participar nas comemorações no parlamento.

A convicção foi manifestada à agência Lusa por Joaquim Vieira, autor de uma biografia de Mário Soares – que acaba de ir para as livrarias, por ocasião do 100.º aniversário do nascimento do ex-Presidente da República, a 7 de dezembro.

Apesar de considerar “muito difícil” adivinhar o que seria hoje o pensamento de Mário Soares, Joaquim Vieira arrisca: “Eu quase poria ‘as mãos no fogo’ para dizer que ele não concordaria com este tipo de celebrações que estão a ser organizadas na Assembleia da República”.

“Mário Soares acharia, e com toda a razão, que a data fundadora, e que é o momento de viragem na História, é o 25 de Abril, e o 25 de Novembro decorre dessa data e, portanto, não tem dignidade para ser comemorada ao mesmo nível, equiparada ao 25 de Abril”, sustenta.

Mário Soares salvou Abril

O autor de “Mário Soares, uma Vida”, que agora revela dados novos sobre a vida pessoal do ex-Presidente nos seus últimos anos, não tem dúvida de que o histórico e primeiro líder socialista foi “um grande vencedor” do 25 de Novembro.

Ele percebeu que havia um perigo de subversão dos valores da Abril, havia a tentação de construir um sistema ditatorial de esquerda muito próximo dos que existiam nos países do bloco soviético”.

Por isso, “foi talvez o primeiro a levantar-se publicamente para dizer que era necessário fazer uma correção histórica em relação ao 25 de Abril, que depois veio a ser feita pelo 25 de Novembro”, explica o jornalista.

Joaquim Vieira aponta o “ato de coragem” que constitui o chamado comício da Fonte Luminosa, no início de julho de 1975, e que pretendeu alertar para o perigo de o sistema democrático derrapar para uma ditadura de tipo soviético, como nos países do então Pacto de Varsóvia (uma espécie da NATO dos países do leste europeu).

O famoso Grupo dos Nove

“Mário Soares, mais do que qualquer outro, teve a intuição de perceber que as coisas se encaminhavam numa direção errada” e “foi muito veemente na denúncia do que se estava a passar”.

E “só depois disso é que se organizam os militares moderados contra essa radicalização do processo político, o chamado Grupo dos Nove”, constituído por Melo Antunes, Vasco Lourenço, Pezarat Correia, Franco Charais, Canto e Castro, Costa Neves, Sousa e Castro, Vítor Alves e Vítor Crespo.

O Grupo dos Nove foi composto por militares conotados com a ala moderada do Movimento das Forças Armadas (MFA) que, a 7 de agosto de 1975, lançaram um documento conhecido como o “Documento dos Nove”, em que se opunham aos modelos socialistas da União Soviética e da Europa do Leste, assim como à social-democracia europeia.

Este grupo propôs antes uma terceira via, baseada na “formação de um amplo e sólido bloco social de apoio a um projeto nacional de transição para o socialismo”, mas “inseparável da democracia política”.

É então que o Grupo dos Nove – recorda o autor de “Mário Soares, Uma Vida” – “se vai organizar e desencadear as operações do 25 de Novembro fazendo a tal correção para a via democrática, liberal”, ao estilo da Europa ocidental.

Joaquim Vieira sublinha que Mário Soares “foi pioneiro” nesse combate, “muito mais que Sá Carneiro ou o CDS” e lembra que o Grupo dos Nove “só vem depois” dos alertas do então líder socialista.

Contra a sessão solene

Curiosamente, Pezarat Correia e Sousa e Castro recusaram participar – antigos membros do Grupo dos Nove – na sessão evocativa do 25 de Novembro de 1975 na Assembleia da República, considerando que a data está a ser deturpada e não pode ser equiparada ao 25 de Abril.

Em declarações à agência Lusa, o general Pedro de Pezarat Correia e o coronel Rodrigo de Sousa e Castro, ambos membros iniciais do Grupo dos Nove, da ala moderada do Movimento das Forças Armadas (MFA), indicaram que receberam convite para marcar presença na sessão do 25 de Novembro, mas declinaram.

À Lusa, Sousa e Castro disse ter recusado esse convite por discordar que a Assembleia da República assinale o 25 de Novembro e o 25 de Abril com “a mesma dignidade institucional”.

As duas datas não são comparáveis. Logo, do ponto de vista de uma instituição como a Assembleia da República, não pode haver o mesmo tratamento. Não devia haver o mesmo tratamento”, disse Sousa e Castro, que foi também Capitão de Abril e membro do Conselho da Revolução.

Questionado se concorda com Vasco Lourenço quando afirmou que a direita foi a “principal derrotada” do 25 de Novembro, Sousa e Castro respondeu que a data “foi um acontecimento que pôs termo a derivas de extremos”.

Quem foi derrotado foi a extrema-esquerda e a extrema-direita. Não foi a direita nem a esquerda democrática”, referiu.

Já o general Pezarat Correia disse à Lusa ter declinado o convite para participar na sessão solene por considerar que “o 25 de Novembro que se está ali a comemorar não é o 25 de Novembro” em que ele próprio participou.

O que aconteceu naquele 25 de Novembro?

A 25 de Novembro de 1975, cerca de mil paraquedistas da Base Escola de Tancos ocuparam o Comando da Região Aérea de Monsanto e seis bases aéreas, ato que o Grupo dos Nove considerou o indício de que poderia estar em preparação um golpe pela chamada esquerda militar.

A tentativa de sublevação daquelas unidades militares, conotadas com setores da extrema-esquerda, foi travada por um dispositivo com base no regimento de comandos da Amadora, sob o comando do tenente-coronel Ramalho Eanes.

No livro, agora atualizado sobre a vida de Mário Soares, Joaquim Vieira escreve que “o 25 de Novembro assinalaria o fim do PREC e a entrada de em fase de normalização democrática, com a consagração do projeto constitucional e a realização dos atos eleitorais nele previstos” enquanto “Soares emergia já como vencedor desse delicado período histórico”.

Quanto à origem da tentativa de radicalização política, Joaquim Vieira deixa em aberto se foram apenas militares conotados com os comunistas, entusiastas do regime soviético, ou o próprio PCP, citando declarações do então secretário-geral, Álvaro Cunhal, e do líder parlamentar, Carlos Brito, negando qualquer relação com aquele processo.

Cunhal escreveria, num livro editado em 1999 e citado por Joaquim Vieira, que “a verdade é que nunca houve ‘recuo’ nem desistência porque nunca houve golpe nem tentativa de golpe do PCP”.

Vieira destaca também o papel de Ernesto Melo Antunes, o primeiro subscritor do chamado “Documento dos Nove”, que iria à RTP após o 25 de Novembro para garantir que a existência legal dos comunistas não estava posta em causa e que “a participação do PCP na construção do socialismo é indispensável”, uma opinião com o qual Mário Soares concordaria.

Joaquim Vieira não deixa de destacar o papel de Ramalho Eanes em todo o processo, o que viria a merecer a discordância de Soares.

“Do lado dos Nove ganhava notoriedade o nome do então tenente-crotonel António Ranalho Eanes, escolhido como comandante operacional da ação militar dos moderados, o qual, ao fim do dia 25, lançou os comandos de Jaime Neves contra a unidade revolucionária que era o regimento de Polícia Militar (nas traseiras do Palácio de Belém), pondo termo à subversão castense na capital pelo preço da vida de três soldados”, escreve Vieira no livro, não deixando de escrever que Mário Soares classificaria a participação de Eanes no 25 de Novembro como “uma coisa ocasional”.

ZAP // Lusa

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4 Comments

  1. “A convicção foi manifestada à agência Lusa por Joaquim Vieira, que acaba de ir para as livrarias”. Que frase estranha! O Joaquim Vieira acaba de ir para quais livrarias? E fazer o quê, comprar livros?

  2. O 25 de Novembro não é equivalente ao 25 de Abril (aliás, este é feriado nacional enquanto o outro não, por alguma razão). Mas merece algum tipo de celebração, embora claramente mais discreta. O problema é que o PS, o grande vencedor do dia, nunca o quis comemorar e agora temos forças à direita, que nem contribuiram nada para os acontecimentos daquele dia, a quererem festejar a data por contraposição ao 25 de Abril.

  3. O 25 de Abril de 1974 foi um golpe de Estado efectuado pela OTAN, de seguida teve início o chamado Processo Revolucionário em Curso (PREC) levado a cabo por Henry Kissinger e Franck Carlucci, o primeiro propunha a instauração de um regime “comunista” controlado pelos EUA/«CIA» e o segundo um regime liberal, esta operação que ficou conhecida como o PREC e «Verão Quente» terminaria quando os dois primeiros decidiram qual o rumo que devia ser imposto a Portugal tendo sido escolhida a via de Franck Carlucci e para o efeito realizou-se o teatro do 25 de Novembro.
    O dr. Franck Carlucci foi Embaixador dos EUA em Portugal entre 1975 e 1978, destacado liberal e pedófilo compulsivo, era e é admirado pelo dr. Mário Soares e o Sr.º Presidente da República, Marcelo Sousa.

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