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Scholé: escola sem portas e sem manuais, onde a brincar se aprende

ZAP

Escola Scholé

A escolha do nome não foi à sorte. Porque aprender pode ser divertido e o tempo na escola é de lazer, fica bem empregue.

Embalados por um artigo recente, centramo-nos num assunto: a escola em Portugal. O modelo de ensino, como anda a decorrer o dia.

Nesse artigo, verificámos que “escola” vem do grego” “scholé“, que significava lugar do ócio. Um espaço de lazer, de desocupação, de liberdade. Fazermos coisas de que gostamos.

Fomos até uma escola em Matosinhos – na verdade, foram dois minutos a pé – para conhecer uma escola que se chama… Scholé. Abrange pré-escolar e 1.º ciclo, tem crianças entre os 3 e os 10 anos.

Falámos com a coordenadora pedagógica Sofia Sousa.

ZAP – O nome da escola foi propositado.
Sofia – Foi. A questão da Scholé, a questão da escolha do nome na escola, para a escola tem muito a ver com a noção de que nós queríamos que as crianças sentissem que isto é um lugar para aprender, mas lugar para aprender a brincar, onde aprender pode ser divertido, onde pode ser útil, onde elas podem empregar o tempo, ter tempo de lazer e o tempo que eles consideram mais livre a aprender.

ZAP – Que não seja um sacrifício.
Sofia – Exatamente. Que seja um sítio que eles de facto gostem de aprender. Nós optamos por usar a metodologia de projetos, aprendizagem baseada em projetos.

ZAP – No pré-escolar e no primeiro ciclo.
Sofia – Exatamente.

ZAP – Como é que funciona?
Sofia – O que nós tentamos fazer é criar projetos e trazer temas de projetos que sejam o mais diferentes possíveis e o mais interessante possível para eles. Trabalhamos muito com base nos interesses das crianças e nos pequenos projetos. São seis projetos por ano, cada um dura entre seis e oito semanas. A nível do primeiro ciclo, é muito mais difícil encontrar escolas que façam isto o tempo inteiro. No nosso caso nós só usamos metodologia do projeto do primeiro ciclo. Eles não têm aulas formais, eles não têm livros…

ZAP – Não há divisão por disciplina?
Sofia – Não, não. Há grupos, que têm mais ou menos faixas etárias semelhantes.

ZAP – Por uma questão de desenvolvimento infantil.
Sofia – Obviamente. Mas temos crianças que não estão de facto num grupo teoricamente que deveria ser o delas, ou porque apresentam uma maturidade, uma disponibilidade para a aprendizagem, acima daquilo que será a do grupo, ou porque se juntaram ao grupo mais tarde, ou porque tinham lacunas grandes a nível de aprendizagem que nós sentimos que faria sentido ingressarem num grupo bocadinho mais atrás para terem tempo de recuperar. Mas podem mudar de grupo a meio do ano. Se eles mostrarem competências, se nós percebermos que eles são capazes e que têm disponibilidade emocional e competências cognitivas para o fazer, eles poderão passar para o grupo ou mais à frente, sempre no final do projeto. A ideia é que eles percebam que têm, também nas mãos deles, esta possibilidade.

ZAP – Essa mudança a meio é normal?
Sofia – Não acontece com frequência, não vou mentir. Por aquilo que disse: a questão do desenvolvimento infantil implica, de alguma maneira, esta questão de que as competências são mais ou menos iguais numa faixa etária. Mas temos de vez em quando crianças que de facto se destacam pela forma como trabalham, pela curiosidade que têm, por aquilo que querem fazer; e uma maneira de as desafiar é de facto incluí-las no grupo que já está bocadinho mais à frente. É óbvio que isto é sempre falado com os pais e com a criança. E uma das coisas mais importantes para nós é a parte emocional. É garantir que, ao tirar a criança daquele que será grupo de referência, ela continua a ter referências no grupo para onde vai. Caso contrário, não há mudança.

ZAP – Para a criança não “abanar”…
Sofia – Exatamente. Para nós a aprendizagem tem muito a ver com o equilíbrio entre estas duas coisas: a parte cognitiva e a parte emocional. Se eu não estiver emocionalmente estável, eu não consigo aprender. Nada. Por muito que eu queira e por muito que eu tente, se a criança está zangada, triste, a disponibilidade que ela vai ter para me ouvir e para trabalhar e para aprender é claramente diferente de uma criança que chegou tranquila.

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Escola Scholé

ZAP – Entrei aqui há poucos minutos e já ouvi uma guitarra, estou a ver umas crianças à volta de uma mesa a fazerem um jogo ou desenhos, uma criança sozinha a aprender inglês aqui ao nosso lado…
Sofia – É ao contrário: é inglês a aprender português. (risos)

ZAP – Há aqui muito foco, mais até disponibilidade, para um ensino mais individualizado? Ou seja, acompanhar os interesses e as necessidades de cada criança. Há espaço para isso?
Sofia – Sim. Os nossos grupos têm no máximo quinze crianças, para permitir exatamente um acompanhamento mais individualizado das crianças que aceitamos. Com mais do que quinze crianças, é mais difícil para garantir que conseguimos de facto puxar por eles da maneira que eles precisam. Eu nunca tenho o mesmo trabalho para todas as crianças dentro de um grupo, eu não tenho todas as crianças iguais dentro de grupo. Temos que ajustar o trabalho em função das crianças. O que é que ajuda? O facto de não termos livros. Os projetos são desenvolvidos por nós, os temas são criados por nós, são planificados por nós, pensados por nós.

ZAP – Mas cumprem o que está no programa do Ministério da educação.
Sofia – Sempre. Todas as aprendizagens essenciais cabem ao longo de um ano. A questão é essa: é que eu vou escolher aquelas que fazem sentido, o que vou abordar em determinada altura com o tema do projeto que eu tenho.

ZAP – Cada dia é um dia. Mas como é uma rotina diária para as crianças aqui?
Sofia – Vou falar mais no primeiro ciclo: começar às 9h30 da manhã, com o check-in, o momento em que todas as crianças do primeiro ciclo estão juntas para fazer uma atividade. Hoje (DATA) é o dia mundial dos Correios, e portanto fomos ver o que é que acontece nos Correios, as encomendas, e ficou o desafio deles escreverem um postal para Timor. Depois eles vão para as salas e fazem trabalho no projeto até por volta das 13h. São duas grandes salas, quatro espaços. Cada grupo tem o seu espaço. Há o almoço até às 14h30. Depois, até às 16h30, de segunda à quinta, têm as atividades das artes, do inglês, da música, e da ginástica. À sexta-feira o dia é bocadinho diferente: a manhã é de jogos de tabuleiro, onde trabalhamos competências como pensamento computacional, estratégia, memória, foco, atenção. A alternância, o respeito pela vez do outro.

ZAP – E no meio dessa rotina, e mais uma vez estou a olhar à minha volta, não há aqui o método tradicional de todos ficarem sentados em carteiras, ou dois a dois ou individual, durante uma manhã inteira. Isso não existe aqui.
Sofia – Não. Nem eu tinha cardeiras suficientes para fazer isso! (risos) Trabalham sempre em grupo. Para nós é muito importante, como eu disse, a parte emocional; e é muito importante que eles aprendam a estar atentos ao outro. Perceber a dificuldade do outro e pedir ajuda ao outro: eles sabem que devem primeiro pedir ajuda a quem está com eles mais perto, e só depois pedir ajuda ao adulto.

ZAP – E saídas?
Sofia – Nós tentamos ao máximo sair com eles. Não vou negar e dizer que é todas as semanas. Tentamos. Mas culturalmente nós não temos o trabalho de sair com as crianças da escola. Os pais não estão habituados a momentos de saídas, mesmo na roupa ou material que pedimos, por exemplo. Mas tentamos sempre que eles percebam: a rua tem potencial de aprendizagem.

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Escola Scholé

ZAP – Esta escola não tem portas…
Sofia – É tudo em vidro. Nenhum professor aqui dentro consegue esconder nada do que está a fazer porque é tudo em vidro. Muitas vezes há pessoas que sentem esta necessidade de ter a sala deles, fechadas na sala deles, onde podem fazer o que querem e ninguém vê. E e não é porque vão fazer coisas más; é só porque têm aquela tranquilidade, é o seu espaço. Aqui há menos essa sensação do meu espaço porque toda a gente vê para dentro do espaço de toda a gente: as salas são separadas por cortinas, nem sequer é uma porta física, eu não fecho portas nesta escola porque eu não tenho. Não há portas nesta escola. A separar as salas, os espaços das crianças, não. Portanto não há esta noção do “meu espaço” aqui não existe de uma forma tão presente.

ZAP – Sente que têm crianças felizes aqui?
Sofia – Sinto. Eu noto isso porque querem ir embora ao final do dia. Gostam claramente de aprender. E as crianças que saem daqui para um percurso tradicional dizem que era mais divertido aprender quando estavam cá.

ZAP – E adultos que gostam de crianças?
Sofia – Sim, sim. Não é possível fazer isto sem essa parte. É preciso gostar de crianças e felizmente temos uma equipa que gosta de trabalhar com crianças, que consegue apoiá-las de uma maneira que as ajude a crescer. Temos gente atenta às crianças. Porque também temos mais tempo. Precisamos desse tempo. E isso para nós é é primordial pra conseguirmos fazer com que este projeto resulte.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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