Crise da doação de gâmetas no SNS reflete uma “violação gravíssima dos direitos fundamentais”. No entanto, dádivas no setor privado estão a aumentar.
A falta de doadores de gâmetas no Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem aumentado significativamente as listas de espera para tratamentos de fertilidade. Atualmente, cerca de mil mulheres estão na lista de espera para espermatozoides, e enfrentam um tempo de espera de quase quatro anos, enquanto 426 mulheres aguardam ovócitos, com um tempo de espera de três anos e meio.
A presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), Carla Rodrigues, classifica a situação como uma “aberração” e uma “violação gravíssima dos direitos fundamentais”, em declarações ao Jornal de Notícias.
O Banco Público de Gâmetas (BPG) tem registado um agravamento tanto no número de beneficiárias em espera quanto nos tempos de espera. Em setembro de 2023, o BPG respondia a pedidos de gâmetas masculinos submetidos em janeiro de 2021 e de gâmetas femininos submetidos em março de 2021. Em 2019, o tempo de espera para ovócitos era de 29 meses e para espermatozoides de 26 meses.
“Estava previsto e não avançou. Três anos e meio – não sei se há mais alguma especialidade assim – é uma situação de emergência que tem de ter medidas excecionais”, diz Carla Rodrigues.
A situação é ainda mais crítica considerando que, em 2016, o Parlamento aprovou o alargamento do acesso à Procriação Medicamente Assistida (PMA) a mulheres sem parceiro e a casais de mulheres. No entanto, a falta de gâmetas disponíveis faz com que, na prática, esses direitos não possam ser exercidos.
Uma das questões levantadas é se a decisão do Tribunal Constitucional, que pôs fim ao anonimato dos doadores, pode ter contribuído para a escassez de doações. Mas as evidências sugerem que as dádivas no setor privado estão a aumentar, o que indica que outros fatores podem estar em jogo.
Em 2021, um grupo de trabalho do governo anterior propôs a aquisição temporária de gâmetas ao setor privado como medida para mitigar a crise, mas esta solução ainda não foi implementada. Carla Rodrigues defende que, perante a emergência, os centros públicos deveriam importar gâmetas ou adquirir aos privados, que têm capacidade e estão até a exportar gâmetas.
O Ministério da Saúde está a estudar propostas para reduzir a lista de espera, mas a situação continua a ser crítica, com limites de idade restritivos e uma falta clara de recursos que afeta gravemente o acesso a tratamentos de fertilidade no SNS.