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As vítimas silenciosas dos incêndios

Os incêndios que afetaram o Norte e Centro de Portugal nos últimos dias já entraram em fase de rescaldo, mas investigadores alertam para o risco que correram os habitats de várias espécies animais selvagens.

Os animais de maior mobilidade, como aves e mamíferos de grande porte, têm uma maior probabilidade de sobreviver a grandes catástrofes naturais, conseguindo afastar-se das zonas afetadas.

No entanto, espécies menos móveis, como anfíbios e alguns invertebrados, enfrentam várias dificuldades.

Mesmo as espécies que conseguem escapar às chamas enfrentam a perda dos seus habitats e a escassez de alimentos, o que pode levar a uma competição acrescida por recursos nas áreas circundantes, alerta o investigador João Puga, ao Jornal de Notícias.

Estudos anteriores do investigador do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro revelaram que, após os incêndios de 2017, que resultaram numa tragédia em Pedrógão Grande, algumas espécies adotaram estratégias de sobrevivência, refugiando-se em locais temporariamente seguros, como tocas profundas e pedras enterradas.

Os peixes e outras espécies ribeirinhas também são particularmente vulneráveis. Embora as galerias ripícolas nem sempre ardam, as cinzas e os compostos tóxicos resultantes da combustão das árvores são facilmente arrastados para os cursos de água com as primeiras chuvas, poluindo-os, daí a importância de estabilizar o solo após os incêndios para evitar derrocadas e a contaminação das linhas de água.

A destruição dos habitats também força os animais sobreviventes a procurar novas áreas para se alimentarem, o que pode levar a um aumento da competição por recursos, especialmente em zonas agrícolas. Espécies como os javalis, com maior mobilidade e dieta variada, são exemplos de animais que podem migrar para áreas próximas em busca de alimento.

O que se deve fazer?

Locais não totalmente queimados e das periferias podem servir de focos para a recolonização das zonas afetadas, mas a recorrência de incêndios em determinadas áreas pode ser mais frequente do que o tempo necessário para a recuperação completa dos habitats.

Para mitigar os efeitos dos incêndios na biodiversidade, os investigadores defendem a criação de corredores ecológicos entre zonas não ardidas, promovendo a conectividade e facilitando o fluxo de espécies, bem como planos de recuperação específicos para espécies vulneráveis. Mas há que ser rápido.

“Perdas totais de colmeias” afetou até 40% dos apicultores

A Associação dos Apicultores do Norte de Portugal estimou que entre 30 a 40% dos 250 associados tiveram perdas de produção devido aos incêndios que atingiram desde domingo as regiões Norte e Centro do país.

“Ainda estamos a apurar os números reais, mas os incêndios devem ter impactado 15% dos nossos associados com perdas totais de colmeias”, referiu Bruno Moreira, presidente da associação.

Às perdas totais de colmeias soma-se a “perda de potencial produtivo”, ou seja a perda de floresta, que afetou entre 30% a 40% dos apicultores das regiões Norte e Centro.

A Associação dos Apicultores do Norte de Portugal tem cerca de 250 associados, sendo a maioria de Aveiro, Porto e Viseu, distritos que, desde domingo, foram assolados por incêndios de grandes dimensões.

Para “fazer face à perda de pasto”, os apicultores vão ter de procurar novos locais para colocar as colmeias.

O presidente da Federação Nacional de Apicultores de Portugal afirmou que os incêndios que lavraram em Portugal desde o início do ano provocaram a perda de 9.000 colmeias, o equivalente a cerca de 1,8 milhões de euros.

“Estamos a falar na ordem das 5.000 colmeias com perda total“, afirmou Manuel Gonçalves, acrescentando que cerca de 4.000 colmeias foram afetadas porque as zonas de floração onde se inserem arderam.

Falta de apoios

Apesar de o Estado ter atribuído um apoio de seis euros por colmeia aos apicultores afetados pelo incêndio que, em 2023, lavrou em Odemira (Beja), Bruno Moreira defendeu que “até hoje nenhum Governo ajudou com a perda de efetivo”, referindo-se à perda de colmeias.

Para o presidente da Associação dos Apicultores do Norte de Portugal, o Estado deve avançar com o ordenamento da floresta, medida que permitiria, posteriormente, criar “zonas próprias para apiários”.

“Temos uma série de condicionantes à colocação de apiários, tais como manter 100 metros de afastamento ao edificado em utilização ou 50 metros de afastamento para as vias públicas. Muitas das vezes, com todas as condicionantes legais e geográficas, os apicultores acabam por colocar as colmeias no meio de uma mata”, referiu.

Incêndios em fase de rescaldo

Sete pessoas morreram e 177 ficaram feridas devido aos incêndios que atingiram desde domingo sobretudo as regiões Norte e Centro do país e destruíram dezenas de casas.

A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) contabiliza cinco mortos, excluindo da contagem dois civis que morreram de doença súbita.

A área ardida em Portugal continental desde domingo ultrapassa os 124 mil hectares, segundo o sistema europeu Copernicus, que mostra que nas regiões Norte e Centro já arderam mais de 116 mil hectares, 93% da área ardida em todo o território nacional.

O Governo declarou a situação de calamidade em todos os municípios afetados pelos incêndios dos últimos dias e hoje dia de luto nacional.

ZAP // Lusa

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