Segundo um novo estudo, a poluição luminosa das cidades está a encolher o cérebro das aranhas. Esta situação pode ser catastrófica, porque onde a poluição luminosa é mais comum os animais podem efetivamente precisar de cérebros maiores e mais complexos.
Quando a escuridão cai, a metade noturna do reino animal começa o seu dia. As espécies noturnas estão perfeitamente adaptadas para navegar e sobreviver na escuridão da noite que existe há incontáveis milhões de anos.
O que acontece a estas criaturas quando a escuridão a que chamam casa é transformada por candeeiros de rua e outras formas de iluminação noturna artificial?
Num novo estudo, publicado esta quarta-feira na revista Biology Letters, Therésa Jones e Nikolas Willmott, investigadores da Universidade de Melbourne, analisaram a forma como a poluição luminosa afeta o desenvolvimento das aranhas tecelãs de jardim australianas.
Os resultados do estudo permitiram concluir que a poluição luminosa das cidades torna os seus cérebros mais pequenos, particularmente nas regiões dedicadas à visão – com efeitos desconhecidos no seu comportamento.
O que significa a poluição luminosa para os animais
A luz artificial é uma das formas de poluição do mundo que mais cresce entre os seres humanos e tem uma enorme variedade de efeitos nos animais, plantas e ecossistemas, explicam os investigadores num artigo no The Conversation.
Evidências anteriores, apresentadas num outro estudo, publicado em 2020 na Neuroscience Letters, sugerem que o stress de viver com a poluição luminosa pode prejudicar o crescimento e o desenvolvimento do cérebro de algumas aves e mamíferos.
Esta situação pode ser catastrófica. Para sobreviverem em novos ambientes onde a poluição luminosa é mais comum, como as cidades, os animais podem efetivamente precisar de cérebros maiores e mais complexos.
Mas e os insetos, as aranhas e outras criaturas mais pequenas que habitam a noite? Poderá a poluição luminosa afetar de forma semelhante o crescimento e o desenvolvimento dos seus cérebros?
Os resultados do estudo de Jones e Willmott sugerem que sim.
Mais insectos, mas menos descendentes
A aranha tecelã de jardim australiana é uma espécie perfeita para explorar esta questão. Vive alegremente nas cidades e nas zonas rurais, onde constrói as suas teias todas as noites em áreas abertas (mesmo debaixo de candeeiros de rua).
Em estudos anteriores, os investigadores verificaram que as aranhas urbanas que constroem teias sob candeeiros de rua capturam mais insetos, e mostraram que a luz durante a noite tem consequências: acelera o desenvolvimento juvenil, resultando em adultos mais pequenos que produzem menos descendentes.
Australian garden orb weaving spider
No novo estudo, ops investigadores analisaram se o desenvolvimento sob luz noturna também afetava o tamanho do cérebro de machos e fêmeas.
Para explorar esta questão, usaram em aranhas juvenis tardias de parques relativamente escuros em Melbourne, na Austrália, que foram criadas em laboratório até se tornarem adultas.
Durante a criação, mantiveram metade das aranhas na escuridão durante a noite e expusemos a outra metade a uma iluminação noturna equivalente ao brilho de um candeeiro de rua.
Cérebros mais pequenos, mas porquê?
Algumas semanas depois de as aranhas estarem completamente crescidas, os autores do estudo avaliaram se a luz noturna tinha afetado o desenvolvimento dos seus cérebros.
Como o cérebro de uma aranha é do tamanho da ponta de uma esferográfica (menos de um milímetro cúbico), usaram tecnologia de micro-CT para visualizar o seu interior.
Descobriram que a exposição de curta duração à luz durante a noite resultou em volumes cerebrais de aranha globalmente mais pequenos. Os efeitos mais fortes foram observados na área do cérebro ligada à visão nos olhos primários da aranha.
Estes resultados são inéditos para os invertebrados (animais sem coluna vertebral, como os insectos e as aranhas), mas refletem o que foi descrito nos vertebrados.
“Só podemos especular como é que estas diferenças surgiram”, notam os autores do estudo, que sugerem que é possível que a presença de luz durante a noite tenha criado um ambiente stressante que perturbou os processos hormonais relacionados com o crescimento e o desenvolvimento.
No entanto, se fosse esse o caso, seria de esperar que todas as partes do cérebro fossem afetadas, o que não aconteceu.
Uma explicação alternativa é que as aranhas forçadas a desenvolverem-se sob luz noturna alteraram o seu “investimento” em diferentes partes do cérebro.
O funcionamento adequado do cérebro é essencial para um animal navegar no seu ambiente, pelo que, em condições de stress, os recursos limitados podem ser direcionados para as partes mais importantes do cérebro.
No caso das aranhas que não dependem da visão, como as tecedeiras de orbes, podem compensar reduzindo o investimento nas partes visuais do cérebro, sugerem os investigadores.
Outros invertebrados, como as formigas do deserto (Cataglyphis fortis), mostram “mudanças neuroplásticas” semelhantes no centro visual do seu cérebro quando passam do ninho subterrâneo para a procura de alimentos à superfície, com base na visão.
Porque é que as aranhas – e os seus cérebros – são importantes
Tudo isto é muito interessante, mas deve estar a perguntar-se por que razão devemos preocupar-nos com o facto de a poluição luminosa afetar o tamanho do cérebro de uma aranha.
Bem, as aranhas são muito importantes num ecossistema. Comem outros invertebrados, incluindo muitas espécies de pragas, como as moscas e os mosquitos. As aranhas são também presas importantes para outros predadores, como as aves e os lagartos.
Se o cérebro das aranhas ficar mais pequeno, isso pode afetar a sua função cognitiva e a sua capacidade de desempenhar estes papéis vitais.
Sabemos, por outras espécies de aves e mamíferos, que cérebros maiores podem ajudar os indivíduos a sobreviver em novos ambientes urbanos e é provável que o mesmo aconteça com as aranhas.
Esta investigação mostra também que os efeitos da poluição luminosa no desenvolvimento do cérebro se estendem aos invertebrados, bem como às aves e aos mamíferos. Os efeitos totais do amor da humanidade pela iluminação artificial são provavelmente muito maiores do que ainda compreendemos.