Uma doença rara que faz com que os músculos, os tendões e os ligamentos se transformem irreversivelmente em osso, formando lentamente um “segundo esqueleto” sobre o primeiro, poderá finalmente ter tratamento.
A doença chama-se Fibrodisplasia Ossificante Progressiva (FOP) e os seus “surtos” imprevisíveis de ossificação são tão debilitantes como parecem.
Num doente padrão, as suas articulações são imobilizadas pela doença dolorosa, em episódios que começam na infância e se manifestam aproximadamente de dois em dois anos.
Por volta dos 30 anos, explica o Science Alert, a maioria dos pacientes com esta condição fica tão limitada nos seus movimentos que necessita de uma cadeira de rodas.
À medida que mais tecido mole é substituído por osso, os doentes podem ter dificuldade em respirar, comer, ouvir ou falar. Muitos acabam por morrer de complicações na casa dos 50 anos.
A doença foi descoberta em 1692 pelo médico francês Guy Patin, que a descreveu como “uma condição que transformava as pessoas em pedra“. Em 1970, o geneticista norte-americano Victor McKusick descobriu que a doença não afetava apenas os músculos, e deu-lhe a sua designação atual.
Um ano depois de a Food and Drug Agency (FDA), a agência reguladora dos medicamentos nos EUA, ter aprovado o palovaroteno como primeiro e até agora único tratamento para a FOP, um novo medicamento mostrou sucesso em ensaios com ratinhos.
Os resultados da investigação foram apresentados num artigo publicado na Science Translational Medicine.
O composto candidato, denominado BLU-782, mostrou um bom perfil de segurança no seu primeiro ensaio clínico em humanos e está agora a ser testado quanto à sua eficácia em seres humanos.
Na maioria dos países do mundo, não há terapia aprovada para a FOP, o que significa que a grande maioria dos doentes está limitada a medicamentos anti-inflamatórios para aliviar os sintomas.
Embora o BLU-782 necessite ainda de mais testes, junta-se a vários outros tratamentos promissores para a FOP, que também estão a ser submetidos a ensaios clínicos.
A capacidade de se ligar a uma proteína sinalizadora da formação óssea, chamada ALK2, levou os investigadores a seleciona o BLU-782 de entre vários candidatos uma “biblioteca” de medicamentos.
Em 2006, os cientistas descobriram que a grande maioria das pessoas que nascem com FOP partilham uma mutação ativa no gene ALK2.
Esta descoberta constituiu um ponto de viragem no tratamento desta doença excecional que, apesar de confirmada em apenas cerca de 800 pessoas em todo o mundo, poderá atingir dez vezes mais pessoas.
“A FOP altera a vida dos indivíduos diagnosticados e das suas famílias”, explica Michelle Davis, diretora executiva da International FOP Association em 2023.
“Não há um dia que passe em que as pessoas afetadas não se preocupem com a dor física debilitante do músculo que é substituído por osso, com o bloqueio de articulações ou com o implacável custo emocional de perder a capacidade de fazer atividades que adoram ou de abraçar um ente querido”, acrescenta Davis.
“Foi comprovado que o primeiro tratamento para a FOP reduz o volume de novo crescimento ósseo anormal, o que pode resultar em melhores resultados de saúde para as pessoas que vivem com FOP.”
O palovaroteno, único medicamento até agora aprovado pela FDA, não é perfeito. Embora trave a calcificação dos tecidos moles, o medicamento não pode ser utilizado em crianças, uma vez que também pode travar o crescimento ósseo normal.
É aqui que o BLU-782 ganha uma vantagem. Em ratinhos, liga-se seletivamente à ALK2 para inibir apenas determinadas proteínas, reduzindo os efeitos secundários. Isto significa que previne a formação de mais ossos anormais em ratinhos com mutações ALK2 sem afetar as funções musculares ou ósseas normais.
De facto, em ratinhos com ossos partidos, o seu esqueleto sarou mesmo enquanto tomavam BLU-782. Se o mesmo se verificar em humanos com FOP, o composto medicamentoso poderá traduzir-se num tratamento vital para as crianças, e transformar uma doença catastrófica num simples inconveniente.