O lado bom (e o mau) do reconhecimento da Palestina

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Enquanto uns defendem a medida, argumentando que tem valor legal e simbólico, críticos sublinham que não mudaria a situação dos palestinianos nem resolveria os seus verdadeiros problemas.

Recentemente, os apelos para que o Ocidente reconheça a Palestina como um Estado têm-se tornado cada vez mais fortes.

Embora Portugal não considere a Palestina um país, a maioria da comunidade internacional — 139 entre os 193 países representados na Organização das Nações Unidas (ONU) — reconhece a existência do Estado palestiniano.

E, o que é significativo desta vez é que, ao que parece, o reconhecimento pode estar a ser reconsiderado pelos EUA, que até então vetou quase todas as tentativas de tornar a Palestina um país. O Reino Unido, que no passado se alinhou aos americanos nesta questão, também reavalia.

“O que precisamos de fazer é dar ao povo palestiniano um horizonte para um futuro melhor, um futuro com um Estado próprio”, disse no início deste mês o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, David Cameron.

Políticos de alto escalão em Espanha, Noruega e Irlanda também falaram recentemente sobre a possibilidade de reconhecer a Palestina como um Estado.

“Hoje, mais do que em qualquer momento, os principais atores no Médio Oriente precisam de avanços em direção a um Estado palestiniano desmilitarizado“, resumiu esta semana Thomas Friedman, colunista do jornal New York Times.

No entanto, especialistas têm recomendado cautela em relação às declarações dos EUA e do Reino Unido, sugerindo que provavelmente têm o objetivo de pressionar um governo israelita inabalável pelo desconforto crescente dos seus aliados com as suas táticas usadas em Gaza.

Questionados sobre as suas declarações, porta-vozes norte-americanos afirmaram que, por enquanto, as políticas da Casa Branca não mudaram. Por que é que reconhecer a Palestina é uma ideia controversa?

Para muitos países ocidentais, a ideia sempre foi que a mudança de estatuto dos palestinianos viria no final das negociações sobre a solução de dois Estados, com Israel e Palestina a coexistirem pacificamente como vizinhos.

É por isso que as declarações e rumores mais recentes têm causado tanto debate. Enquanto alguns argumentam que reconhecer a Palestina seria o primeiro passo para uma solução duradoura e pacífica de um conflito de décadas, outros dizem que se as condições na região não mudarem, o reconhecimento seria inútil e serviria apenas para mascarar todo o poder pertencente ao Estado israelita.

As vantagens

O reconhecimento daria à Palestina mais poder político, legal e até mesmo simbólico.

Em particular, a ocupação israelita ou a anexação do território palestiniano tornar-se-ia uma questão legal mais séria.

“Essa mudança prepararia o terreno para negociações permanentes entre Israel e a Palestina, não como um conjunto de concessões entre o ocupante e o ocupado, mas entre duas entidades que são iguais aos olhos da lei internacional“, escreveu o Los Angeles Times, no mês passado.

“Disputas sobre o estatuto de Jerusalém ou o controlo das fronteiras, direitos de água e de ondas de rádio podem ser resolvidas por meio de mecanismos de arbitragem globais estabelecidos”, sugeriu o autor do artigo, Josh Paul.

“Mas, para os palestinianos, a maior vantagem seria a simbólica. A Palestina poderia levar Israel a um tribunal internacional, mas isso seria um longo caminho”, disse Philip Leech-Ngo, analista do Médio Oriente.

Para a Autoridade Nacional Palestiniana, que governa parte da Cisjordânia ocupada e faz parte da representação oficial do povo palestiniano, “o que mais importa é o reconhecimento”, disse Leech-Ngo à DW.

“Eles não podem oferecer ao povo palestiniano muito mais do que isso. Eles não podem confrontar Israel, não são capazes de melhorar a vida dos palestinianos sob a sua jurisdição e também são corruptos e não democráticos. Portanto, a única coisa que eles podem oferecer é a promessa de reconhecimento internacional”, disse.

“Afinal de contas”, continuou Leech-Ngo, “o reconhecimento como Estado seria uma forma de dizer que a comunidade internacional aceita a causa palestiniana como legítima e, no contexto de uma ocupação beligerante prolongada por parte de Israel, isso oferece um capital político considerável”.

As desvantagens

Pesquisas recentes mostram que a maioria dos israelitas não quer ver a Palestina como um Estado.

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, tem reforçado essa ideia há anos e, para os israelitas e os seus apoiantes internacionais, há também o receio de que, se a Palestina for reconhecida como um Estado agora, isso pode representar uma vitória para aqueles que defendem a violência.

O conflito em Gaza desencadeado a 7 de outubro, quando o grupo terrorista Hamas atacou Israel, matando cerca de 1200 pessoas, deu origem a uma campanha militar contínua de Israel na Faixa de Gaza que já causou cerca de 28 mil mortes.

Se o reconhecimento ocorrer agora, o Hamas “provavelmente ficará com o crédito”, escreveu Jerome Segal, diretor da Consultoria Internacional pela Paz, na revista Foreign Policy no início deste mês. “O Hamas assumirá que esse reconhecimento (…) demonstra que somente a luta armada produz resultados.”

Os problemas mantêm-se

Apesar de trazer vantagens legais e simbólicas, o reconhecimento da Palestina como um Estado não mudaria imediatamente nada no terreno.

“Os maiores obstáculos para que a Palestina se torne um Estado em fevereiro de 2024 são semelhantes aos maiores obstáculos que existiam antes de 7 de outubro”, escreveu esta semana Dahlia Scheindlin, bolsista de Telavive do think tank americano Century International.

“Em primeiro lugar, a liderança política israelita está empenhada em impedir a independência palestiniana a todo o custo. Em segundo, a liderança palestiniana está completamente dividida e quase não tem legitimidade interna. Todos esses obstáculos se agravaram desde 7 de outubro”, escreveu.

“Se sacudíssemos uma varinha mágica e, de repente, reconhecêssemos o Estado palestiniano, os enormes problemas do local ainda estariam lá”, apontou Leech-Ngo. “Ocupação, assentamentos ilegais, devastação em Gaza e a falta de controlo sobre as fronteiras, assim como a questão de quem controla Jerusalém. Há várias questões definitivas que não seriam resolvidas repentinamente — mesmo se pudéssemos fazer magia”, concluiu.

ZAP // DW

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2 Comments

  1. “Eles não podem confrontar Israel, não são capazes de melhorar a vida dos palestinianos sob a sua jurisdição e também são corruptos e não democráticos. “… Mas quem tem o direito de determinar se um estado é democrático ou não corrupto? Era o que faltava se este tipo de conjecturas determinava se tem direito ou não a ser um estado… Quantos estados existem bem mais corruptos que a autoridade palestiniana? E quantos estados existem que não estão organizados como as “democracias” formais do ocidente? E quantos estados de ditaduras são respeitavelmente reconhecidos e até bajulados? Que arrogância se contém neste argumento.

  2. Israel deve reconhecer um Estado Palestiniano para agradar aos HIPOCRITAS que nos Governam e que dizem, “apos o reconhecimento do Esteado Palestiniano, Judeus e Palestinianos vao viver em Paz…”, pois o que ira acontecer vai ser o contrario, o Racismo que os Palestinos tem aos Judeus vai prevalecer e vai levar esses mesmos Palestinos a atacar, mais uma vez, Israel, e sendo assim, apos Israel sair vitorioso dessa Guerra, e ao abrigo do Direito Internacional, Israel ira LEGALMENTE anexar terreno ao Pais ao Invasor, tal como aconteceu apos Israel derrotar os Sirios, ou tal como a Alemanha perdeu terreno em favor da Polonia e da Belgica.

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