Fraca imunidade exige intervenção das células T, treinadas para matar o vírus num processo que tem consequências menos positivas. Há menos gente a ser vacinada e a verdade é que o vírus também está a mudar.
Como é apanhar covid agora?
Há relatos de que os segundos e terceiros surtos mais recentes são piores do que os primeiros, ao contrário do que foi dito durante a pandemia. Tosse, dores de cabeça ou febre seguida de uma fadiga persistente são alguns dos sintomas de uma semana “infernal”.
É importante salientar que a covid sempre causou uma ampla gama de sintomas. Mesmo antes das vacinas, os mais sortudos mal adoeceram ou nem chegaram a desenvolver sintomas. Para alguns de nós, a covid é apenas uma gripe — nem sequer suficiente para nos fazer vasculhar o armário do quarto de banho para ver se há um teste lá escondido.
No entanto, especialistas do sistema imunológico alertam que a covid ainda está a provocar infeções fortes e muitas vezes piores do que antes. Tudo depende a batalha entre o próprio vírus e as defesas do nosso corpo.
As primeiras fases são cruciais, visto que ditam o nível de apoio que o vírus tem dentro do nosso corpo e quão grave será. No entanto, a decrescente imunidade e a evolução do vírus inclinam a balança.
Pouca gente é vacinada — e o vírus está a mudar
Eleanor Riley, imunologista da Universidade de Edimburgo, teve o seu próprio surto “horrível” de covid, que foi “muito pior” do que esperado.
“Os níveis de anticorpos das pessoas contra a covid estão provavelmente tão baixos agora como estiveram desde que a vacina foi introduzida pela primeira vez”, confessa à BBC.
Os anticorpos são como mísseis microscópicos que aderem à superfície do vírus e impedem que este infete as células do nosso corpo. Assim, se abundantes, podem neutralizar rapidamente o vírus e qualquer infeção será, esperançosamente, curta e leve.
“Agora, porque os anticorpos estão mais baixos, uma dose maior [do vírus] está a passar e a causar um surto mais grave da doença”, diz Riley.
Os níveis de anticorpos estão relativamente baixos porque já passou muito tempo desde que muitos de nós fomos vacinados (para quem é jovem e saudável, só foram dadas duas doses e talvez um reforço) ou infetados, o que também aumenta a imunidade.
Peter Openshaw, do Imperial College London, diz que “o que fez grande diferença antes foi a implementação muito ampla e rápida das vacinas — até os adultos jovens conseguiram ser vacinados.”
Este ano, ainda menos pessoas estão a receber a vacina. No inverno passado, todos os maiores de 50 anos podiam tomar uma; agora é só para os maiores de 65 anos e para grupos de risco.
Openshaw não se considera “pessimista”, mas acha que o resultado será vermos “muitas pessoas a ter uma doença bastante desagradável que vai deixá-las de cama por vários dias ou semanas.”
“Estou também a ouvir falar de pessoas que têm surtos graves de covid, mas que são jovens e saudáveis. É um vírus surpreendentemente astuto, às vezes faz as pessoas adoecerem bastante e ocasionalmente a ter ‘covid longo'”, diz, considerando que há uma “boa hipótese” de alguém ser suscetível se não apanhou covid no último ano.
Decisões sobre quem é vacinado não são a única coisa que mudou— o vírus também está a mudar.
Fraca imunidade e dependência das “T”
Os anticorpos são altamente precisos, pois dependem de uma correspondência exata entre o anticorpo e a parte do vírus à qual aderem. Quanto mais o vírus evolui para alterar a sua aparência, menos eficazes se tornam os anticorpos.
Openshaw diz que “os vírus que circulam agora são imunologicamente bastante distantes do vírus original que foi usado para fazer as primeiras vacinas, ou que infetou pela última vez. “Muitas pessoas têm muito pouca imunidade aos vírus Omicron e às suas variantes”, lembra.
Se alguém se sente mal com covid — ou pior do que antes — pode ser que esta combinação de anticorpos esteja em declínio e o vírus, por sua vez, em evolução, mas isso não significa que alguém esteja mais propenso a ficar gravemente doente ou a precisar de tratamento hospitalar.
Uma parte diferente do nosso sistema imunitário — chamada células T, treinadas por infeções e vacinas passadas — entra em ação quando a infeção já está em curso. As células T são menos confundidas por vírus mutantes, pois identificam células que foram infetadas com covid e matam-nas.
“Elas impedem a doença grave e que alguém acabe no hospital, mas nesse processo de eliminar o vírus há danos colaterais que fazem o paciente sentir-se bastante mal”, diz Riley. Depender das células T para “limpar” a covid é o que resulta em dores musculares, febre e calafrios.
Afinal, a covid pode tornar-se uma infeção leve e inofensiva ou não?
Existem outros quatro coronavírus humanos, relacionados com a covid, que causam sintomas de constipação comum. Uma das razões pelas quais se pensa que são leves é porque os apanhamos na infância e depois, ao longo das nossas vidas.
Openshaw diz que é claro que “ainda não estamos lá” com a covid, mas “com a infeção repetida, deveríamos construir uma imunidade natural”.
Entretanto, alguns de nós terão de aguentar um inverno complicado.