A versão chinesa do popular concurso de talentos musicais “The Voice” foi suspensa após uma série de escândalos que expuseram casos de tratamento injusto, abusos e falta de equidade — que alguns consideram estar na origem do suicídio da popular cantora Coco Lee.
Durante anos, o concurso “Sing! China“, originalmente conhecido como “The Voice of China”, foi um farol de esperança para aspirantes a artistas.
O seu conceito de igualdade de oportunidades baseada apenas no mérito atraiu centenas de milhões de espetadores no país asiático.
Apesar da sua imensa popularidade, o desencanto do público tinha vindo já a crescer nos últimos anos, essencialmente devido a alegações de manipulação de resultados, dramatização das histórias de fundo dos concorrentes e excessiva comercialização.
No entanto, conta a revista Time, desenvolvimentos recentes lançaram uma sombra sobre a imagem outrora inspiradora do concurso de talentos musicais.
A semana passada, circularam nas redes sociais chinesas vídeos da popular cantora Coco Lee, mentora da edição de 2022 do concurso, que cometeu suicídio em julho.
Nos vídeos em causa, a falecida cantora de Hong Kong denunciava ter sido assediada e humilhada em palco pela produção do programa, recorda o Asia One.
Após a divulgação destes vídeos, ressurgiram na internet testemunhos anteriores de concorrentes, jurados e mentores do concurso com queixas que mostram um padrão de tratamento injusto, exploração e falta de equidade.
A onda de comentários e indignação teve duas consequências imediatas: as ações da Zhejiang Television caíram a pique, e a cadeia chinesa de TV anunciou a suspensão imediata do programa — marcando o fim de um programa que captou 120 milhões de espetadores e 400 milhões de utilizadores da internet logo na sua primeira temporada.
Inicialmente, a Zhejiang Television contestou o conteúdo dos vídeos sobre a experiência de Coco Lee no concurso, que muitos consideram ter estado na origem do trágico suicídio da cantora. No entanto, a empresa viria mais tarde a admitir não ter cumprido as expectativas do público.
Segundo especialistas citados pela Time, este escândalo ultrapassa os contornos de um mero programa de televisão. É um reflexo de questões sociais mais profundas, que colocam em causa a validade da meritocracia na China e expõem o papel do poder instalado — mesmo em plataformas que apregoavam a sua imparcialidade.
A suposta imparcialidade do “Sing! China” era parte essencial do fascínio do concurso, olhado como uma mudança refrescante em relação a outros reality shows — conhecidos por favorecer concorrentes com conhecimentos ou boa aparência.
O caso ocorre também numa altura em que a meritocracia está sob escrutínio na China e as oportunidades de mobilidade económica diminuem.
Este escândalo acende também sentimentos de insatisfação na opinião pública chinesa. Porque, se uma cantora tão famosa como Coco Lee pode ser impunemente sujeita a abusos, humilhações e injustiças, quão impotente será o cidadão comum?