Estudo identifica ligação da indústria da carne ao aumento da resistência a antibióticos

Estudo internacional investigou a resistência aos antibióticos em comunidades microbianas afetadas por águas residuais da indústria avícola.

Um estudo internacional demonstrou que as descargas de águas residuais da indústria avícola em cursos de água naturais podem ter “um potencial impacto negativo no ambiente e na saúde humana”.

O estudo, que contou com a participação do investigador Miguel Semedo, do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto (CIIMAR-UP), foi publicado na revista Science of The Total Environment.

Os produtos de origem animal são uma parte importante da dieta humana. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), a produção animal representa já cerca de 40% da produção agrícola mundial.

Este crescimento, que também se reflete na Europa, tem sido acompanhado por avanços tecnológicos ao nível da genética e da reprodução, que permitiram a produção e a criação de aves de capoeira cada vez mais produtiva.

Estes avanços são acompanhados por mais regras em matéria de alimentação, abate e transformação que promovem a biossegurança e o bem-estar dos animais.

No entanto, o aumento da procura reflete-se numa produção mais intensiva que pode conduzir a desequilíbrios ambientais e de saúde pública. Estes incluem alterações na utilização dos solos e o uso de antibióticos e hormonas.

No estudo, Miguel Semedo e Bongkeun Song, professor do Virginia Institute of Marine Science (VIMS), nos EUA, analisaram a abundância e diversidade de genes de resistência a antibióticos em comunidades microbianas de sedimentos impactados por águas residuais de uma fábrica de processamento de aves.

O estudo refere-se, concretamente, a dois ribeiros localizados na Baía de Chesapeake, nos EUA, próximos de indústrias avícolas.

Embora a realidade europeia seja bastante diferente, este trabalho demonstra o efeito das descargas de águas residuais da unidade de processamento de aves nas massas de água receptoras, permitindo compreender o seu impacto na dispersão de genes de resistência a antibióticos.

Uma técnica inovadora

De acordo com os autores, a utilização de técnicas inovadoras de metagenómica – análise genómica da comunidade de microrganismos de uma amostra ambiental – permitiu a deteção e quantificação de diversos genes de resistência a antibióticos, alargando o espetro e o âmbito dos resultados.

Através da utilização desta técnica, foi detetada uma elevada abundância e diversidade de genes de resistência a antibióticos no ribeiro afetado pela descarga de águas residuais de fábricas de processamento de aves.

Esta situação é também acompanhada por uma acumulação de nutrientes, anteriormente alvo de um estudo dos mesmos investigadores.

“Esta acumulação pode causar um “efeito duplo” devido à elevada correlação entre a abundância de genes de resistência aos antibióticos e de genes de retenção de azoto”, acrescenta Miguel Semado.

O impacto na saúde e no ambiente

A dispersão de genes de resistência aos antibióticos no ambiente é atualmente um problema global grave para a saúde humana e ambiental. As atividades humanas, como a produção industrial de animais para consumo, podem levar ao aumento da frequência e diversidade destes genes no ambiente.

Segundo o investigador do CIIMAR, “a resistência aos antibióticos, por parte das comunidades microbianas revela uma forte adaptação destas comunidades às pressões antropogénicas, mas pode ter custos para a sustentabilidade ambiental”.

De facto, os microrganismos resistentes aos antimicrobianos tornaram-se um problema global de saúde pública e de segurança alimentar, ao reduzirem a eficácia dos antibióticos comuns a vários sectores e ao causarem um impacto em toda a sociedade.

De acordo com a FAO, a resistência bacteriana aos antibióticos tem causado um impacto na saúde pública, na segurança alimentar e na economia. O aparecimento de resistência a um ou mais antibióticos é o resultado da pressão seletiva resultante da sua utilização inadequada ou indiscriminada na pecuária e na medicina humana.

Os resíduos de antibióticos no ambiente podem também contribuir para a seleção de bactérias resistentes aos antibióticos e para a propagação de organismos resistentes aos antimicrobianos, em especial nos países em desenvolvimento, devido ao acesso limitado a água potável, às deficientes infraestruturas de saneamento e à má gestão dos resíduos sólidos.

Em suma, a utilização inadequada ou indiscriminada de antibióticos tem-se refletido como uma emergência de saúde global, uma vez que aumenta potencialmente a resistência das bactérias zoonóticas a um ou mais antimicrobianos, comprometendo assim o tratamento eficaz das doenças infecciosas tanto nos seres humanos como nos animais.

Para agravar este problema, a falta de descobertas de novos agentes antimicrobianos eficazes durante as últimas décadas tem preocupado a comunidade científica, tornando cada vez mais premente a necessidade de uma utilização cautelosa destes instrumentos.

Para Miguel Semedo, a regulação do uso de antibióticos é essencial. “Os reguladores de gestão ambiental devem fazer um esforço para controlar esta dispersão dos genes de resistência aos antibióticos, de forma a mitigar os potenciais impactos na saúde das populações”, aponta o investigador do CIIMAR.

Na União Europeia, a administração de antibióticos na produção animal é considerada uma medida de tratamento terapêutico quando é identificada uma doença nos animais, sendo proibida a sua aplicação como medida preventiva.

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