A Aliança da Nação, a coligação de seis forças da oposição, concluiu esta tarde em Ancara a campanha eleitoral para legislativas e presidenciais de domingo, com o líder do CHP, Kemal Kiliçdaroglu, a assumir pose de chefe de Estado.
A Turquia cosmopolita e urbana, que aceita a cultura ocidental, juntou-se numa grande praça perto do Mausoléu de Mustafa Kemal Ataturk, o fundador da República em 1923, para saudar Kemal Kiliçdaroglu.
Dezenas de milhares de pessoas aguardaram quase três horas pelo discurso final do líder do Partido Republicano do Povo, CHP (social-democrata e nacionalista), quando já trovejava e chovia, mas sem desmobilizarem, com a frase em destaque “Vamos vencer estas eleições”.
Kiliçdaroglu, de 74 anos, e Aliança da Nação (MI), que junta o CHP e cinco partidos heterogéneos que concorrem coligados nas listas às eleições presidenciais e legislativas deste domingo na Turquia, surgem à frente nas sondagens, com uma ligeira vantagem sobre o atual presidente turco e o seu partido.
Para Recep Tayyip Erdogan são o maior desafio em 20 anos de poder – uma oposição unida e numa conjuntura pouco favorável.
“Contei dias, contei milhas para te ver aí, agora a primavera está a chegar” é a frase em inglês que Narlican e Zeynep, de 20 e 21 anos, estão a escrever num cartaz assente num banco de pedra, com as fotos de Kiliçdaroglu e Taylor Swift, uma cantora britânica de quem são fãs.
Votam pela primeira e dizem que querem terminar com uma “ditadura”.
Ali, 19 anos, a terminar o ensino secundário, também se estreia numa eleição, e a candidatura presidencial da AI parece estar a atingir muitos jovens. “Se me derem duas taças de vinho provo a primeira e escolho a segunda, porque não pode ser pior”: é com este provérbio turco que justifica o seu voto no candidato do CHP.
“Erdogan já não governa, apenas escolhe para os cargos dirigentes pessoas de confiança sem capacidade para as funções. Queremos que algo mude de forma positiva, não vemos uma luz no futuro”, diz Ali num inglês quase perfeito.
No entanto, receia o rescaldo eleitoral de domingo. “Não sabemos como a nossa vida será afetada. Erdogan governa a Turquia como um reino e perdeu o controlo da situação. E, se for afastado, decerto que será investigado pela justiça devido a graves denúncias de corrupção. Pode perder tudo numa noite, até a vida. Por isso não aceitará a derrota, e pode enviar forças policiais armadas para as ruas”.
Ali votará em Kiliçdaroglu mas sabe que a coligação da oposição apresenta deputados dos quais suspeita, incluindo alguns com ligações ao exilado Fethullah Gülen, acusado pelo poder de organizar o fracassado golpe militar de 2016. Ou de ex-ministros de Erdogan que mudaram de partido e de discurso, em tempos de vingança.
Dezenas de pessoas trazem cartazes com mensagens pessoais e bandeiras da candidatura com a frase da campanha: “A minha promessa, a primavera chegará”. Um contraste com a Turquia popular, muçulmana, religiosa, que seguiu Erdogan nos seus comícios.
Mulheres originárias de Hatay, uma das regiões mais afetadas pelos sismos de 6 de fevereiro, exibem um cartaz que rodam pela multidão: “Se não nos tivesses abandonado na zona do sismo seríamos mais a estar aqui”, uma crítica direta a Erdogan e à forma como o Governo respondeu à tragédia.
“Deixaram-nos sós e perdemos muitos familiares. Fomos ao funeral dos nossos primos dez dias após os sismos”, dizem.
“Batatas, cebolas, adeus Erdogan”, grita a praça, frase que rima em turco. “Direitos, lei, justiça”, prosseguem em uníssono. Ainda outra melodia popular, que sai da potente aparelhagem: “Nunca conheci ninguém tão especial como tu”.
O tempo de agitar as bandeiras de várias cores dos partidos, da Turquia, ou de com as mãos exibir a forma de um coração. Eleva-se um cartaz de cartão com a frase “Erdogone”, alusão ao nome do Presidente e da conjugação verbal inglesa para “ir embora”.
Kiliçdaroglu, já de noite e com chuva intensa, dirige-se às mulheres e aos jovens, que lhe darão a vitória no domingo, promete que não irá habitar no grande palácio presidencial que Erdogan mandou construir, mas antes instalar-se “ na casa de Ataturk”.
Promete também fazer regressar ao país de origem os cerca de 3,5 milhões de refugiados sírios, mas “de forma legal”; assegura que dará prioridade à justiça quando a anunciada primavera chegar.
Milhares de luzes de telemóveis ondeiam na ampla praça, e à chuva centenas de jovens dançam uma popular canção da zona da Ancara, na incerteza de poder dançar ao mesmo ritmo na noite eleitoral que se avizinha.
Erdogan aponta “preço a pagar”
O Presidente turco alertou esta sexta-feira, perante os seus apoiantes, sobre “o preço a pagar” e possíveis represálias caso perca as eleições presidenciais no domingo para o seu principal rival, Kemal Kiliçdaroglu.
A oposição avança na campanha eleitoral movida pela “vingança e ganância“, frisou Erdogan perante milhares de apoiantes incondicionais e outras tantas bandeiras vermelhas. E acrescentou: “Lembre-se, você pode ter que pagar um preço muito alto se perdermos”.
As sondagens dão ao seu principal rival, Kemal Kiliçdaroglu, presidente do Partido Republicano do Povo (CHP, social-democrata) e líder da oposição com uma frente unida de seis partidos, uma ligeira vantagem para a eleição presidencial de domingo.
A desistência na quinta-feira de um dos quatro candidatos, Muharrem Ince, deve jogar a favor de Kiliçdaroglu, acreditam os analistas.
Se nenhum candidato obtiver mais de 50% dos votos, os dois primeiros defrontam-se numa segunda volta, em 28 de maio.
Recep Tayyip Erdogan, que viu a sua popularidade minada pela crise económica que atinge o país de 85 milhões de habitantes, foi evasivo e reservado na quinta-feira à noite em relação aos resultados.
“As urnas nos dirão no domingo“, respondeu a um jornalista que lhe perguntou sobre a sua possível vitória.
O chefe de Estado, de 69 anos, admitiu ter dificuldade em convencer os jovens, , que “não conheceram os anos 1990” e, segundo o líder turco, o caos e a corrupção que marcaram “os governos de coligação”.
Erdogan também viu escapar segmentos-chave da população nos últimos anos. Os curdos, que aplaudiram os seus esforços de democratização durante os seus primeiros anos, também devem votar maioritariamente em Kemal Kiliçdaroglu.
Segundo os analistas, o futuro democrático da Turquia, membro da NATO, está em jogo. “Ou Erdogan perde, dando à Turquia a hipótese de restaurar a democracia, ou vencerá e provavelmente permanecerá no poder para o resto de sua vida“, destacou Soner Cagaptay, investigador sénior do Washington Institute.
Kemal Kiliçdaroglu cercou-se de economistas que têm a confiança dos investidores ocidentais, bem como de ex-aliados de Erdogan para também visar um eleitorado nacionalista e conservador.
Perto de 61 milhões de eleitores vão decidir o futuro do país, incluindo mais de três milhões de turcos que vivem fora do seu país, incluindo em Portugal, que votaram antecipadamente.
ZAP // Lusa