A “Jacindamania” trouxe uma nova abordagem à liderança política e imagens raramente vistas. Mas não escapou a contestação interna.
Jacinda Ardern protagonizou o anúncio político mais mediático dos últimos tempos, ao informar que não vai continuar a ser primeira-ministra da Nova Zelândia.
A ainda líder fica no cargo até ao dia 7 de Fevereiro. Depois, alguém do seu partido (Trabalhista) vai substitui-la e vai haver eleições no dia 14 de Outubro.
Uma palavra resume o seu anúncio de renúncia: cansaço. “Dei tudo de mim para ser primeira-ministra, mas isso também exigiu muito de mim. Não posso e não devo fazer o trabalho a menos que tenha um tanque cheio e um pouco de reserva para os desafios não planeados e inesperados que inevitavelmente surgem. Tendo reflectido no verão: sei que não tenho mais aquele extra no tanque. É simples”.
“Sou humana. Damos tudo o que podemos, pelo tempo que podemos, e depois chega o momento. E para mim, este é o momento”.
Esta saída e, sobretudo, esta justificação, mostraram (ou reforçaram) que o burnout – esgotamento provocado pelo trabalho – existe mesmo. E não há que ter vergonha de o admitir, sublinha a CNN.
Outra frase no discurso de despedida: “Espero deixar aos neozelandeses a crença de que podes ser gentil mas forte, empático mas decisivo, optimista mas focado. Que podes ser o teu próprio tipo de líder, alguém que sabe quando é hora de sair”.
Jacinda Ardern ocupou o “maior papel” da sua vida, segundo a própria, em 2017. Aos 37 anos, tornou-se a pessoa mais jovem de sempre a liderar um Executivo da Nova Zelândia.
Uma jovem, que tinha assumido a liderança do Partido Trabalhista apenas três meses antes da sua eleição, e que mudou a perspectiva de muita gente sobre a forma de estar na política.
Já enquanto primeira-ministra, foi mãe. A primeira líder a dar à luz nos últimos 30 anos. Não hesitou e levou a sua bebé para a assembleia-geral da Organização das Nações Unidas.
Conciliou a vida familiar com a vida política…enquanto deu para conciliar.
Contestação interna
No entanto, apesar de ter sido um anúncio surpreendente para milhões de pessoas fora da Nova Zelândia, dentro do país as suas decisões eram controversas há algum tempo, lembra o jornal Die Welt.
Para já, convém lembrar que a futura ex-primeira-ministra lidou com três situações internas graves: tiroteios em mesquitas, erupção vulcânica e a COVID-19.
Criticada por políticos progressistas, era vista como alguém que não agia, inerte, perante questões sociais fulcrais.
Foi mediático o caso do referendo de 2020 sobre a utilização de cannabis para fins recreativos: Jacinda só anunciou que tinha votado “sim” depois do referendo; antes nunca se pronunciou – estava a subir nas sondagens (e o “não” venceu).
O custo de vida é um problema nacional, há uma crise de habitação, taxas elevadas, salários baixos, crimes violentos.
Por um lado, descreve o portal Grid, era vista como uma líder envolvente, modesta, enérgica e jovem, com uma abertura revigorante.
Mas a “Jacindamania”, que passou a ser tema noutros países (o estrangeiro a falar sobre a Nova Zelândia – uma novidade), também acabou por ficar um pouco fora do controlo da própria primeira-ministra.
E as medidas anti-COVID não ajudaram. Jacinda Ardern foi criticada pelas medidas muito severas: confinamentos prolongados, vacinação obrigatória a todos os profissionais de saúde e da educação. Fronteiras encerradas durante mais de dois anos. E um país inteiro fechado por causa de um caso confirmado de coronavírus. A líder não estava disponível para facilitar.
Mas muitos neozelandeses não estavam disponíveis para se sentirem fechados. Houve protestos na capital Wellington contra as medidas, incluindo três semanas de ocupação de terrenos junto ao Parlamento; a sociedade começou a dividir-se de forma visível (talvez influenciada pelos EUA, talvez influenciada pela internet).
A contestação interna já era visível há algum tempo. Sobretudo para quem vive na Nova Zelândia.
Mas Jacinda sai porque está cansada. E não há qualquer “escândalo escondido”, assegurou.
Agora quer é estar na escola da sua filha, no dia em que ela se estrear no ensino primário, ainda neste ano.
Vai ter uma vida normal.
Pois… o cerco está a apertar para todos aqueles que violaram os direitos dos seus cidadãos e agora há que sair enquanto não piora…