Houve uma antiga civilização nos Açores?

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Os livros de história dizem-nos que os navegadores portugueses encontraram as ilhas dos Açores desabitadas, no meio do Atlântico, no início do século XV. Mas a presença nestas ilhas de construções misteriosas sugere que muito antes disso os Açores tinham habitantes.

Literalmente no meio do Atlântico, as ilhas dos Açores guardam um enigma da ocupação pré-portuguesa.

Oficialmente, o Arquipélago do Açores foi descoberto desabitado, no início dos anos 1400, por navegadores portugueses.

No entanto, a presença de construções muito anteriores à descoberta pelos portugueses sugere que as ilhas teriam sido habitadas por uma civilização ancestral.

Mas qual era então esta civilização, e por que motivo deixou os Açores?

A presença destas construções intriga os cientistas, porque “não deveriam lá estar”, diz ao BBC Reel o investigador português António Felix Rodrigues.

O investigador, licenciado em Física pela FCUL e doutorado pela U.Açores,  tem estado a analisar e datar estas construções.

“As datações mais antigas que temos são de 4.200 anos“, explica Félix Rodrigues ao BBC Reel. O professor da U.A. sustenta que “houve uma civilização, que ainda não sabemos exatamente qual foi, que passou por aqui”.

Tenho muitas dúvidas. E como tenho muitas dúvidas, tenho muitas perguntas, e procuro respostas”, diz António Felix Rodrigues.

A busca de Felix Rodrigues por respostas a este mistério no meio do Atlântico começou há 10 anos, na Ilha Terceira, onde vive. É nesta ilha que se encontram as estruturas mais antigas que encontrou até agora.

Num dos sítios arqueológicos que investigou, Felix Rodrigues conseguiu encontrar sete estruturas megalíticas, “semelhantes às estruturas megalíticas da fachada Atlântica europeia e insular — porque em todo o Reino Unido encontramos estruturas desta natureza”.

Pela tipologia das estruturas, “recuamos milhares de anos”, explica o investigador, que acredita que se trata de dólmens usados por culturas pré-históricas para guardar restos mortais.

Estas cavidades circulares, que mostram trabalho intencional nas rochas, são indicadores da presença humana. Material acumulado no interior das cavidades foi datado em pelo menos 2.500 anos.

Algumas peças de cerâmica encontradas no local são ainda mais antigas — mais de 4.000 anos.

“Temos um trabalho em pedras gigantes que não sabemos como é que se fazia”, diz Felix Rodrigues, mostrando uma pedra que foi levantada quando a sua posição natural, indicada pelos vestígios de lava que mantém, seria na horizontal.

António Felix Rodrigues / Facebook

O físico António Felix Rodrigues investiga há 10 anos as misteriosas construções neolíticas dos Açores

O facto de haver nesta ilha construções megalíticas “implica que estamos a falar de viagens no Atlântico que ocorreram no segundo milénio antes de Cristo“, diz o físico, “o que é impressionante e altera o paradigma das viagens no Atlântico profundo em períodos muito remotos”.

Na orla costeira da ilha há também vestígios intrigantes desta presença de uma antiga civilização nos Açores:  âncoras semelhantes às que se encontraram no Mediterrâneo e na Fachada Atlântica da Europa. A sua tipologia “aponta para o primeiro e segundo milénio A.C.“, explica o investigador.

Estas âncoras de pedra têm em comum o seu orifício — todos têm 14 cm de diâmetro. Não há qualquer possibilidade de os portugueses terem utilizado esta tecnologia, “porque quando os portugueses começaram os Descobrimentos, eram os melhores marinheiros do mundo — e usavam âncoras de metal“.

Um edifício em particular não parece poder ter sido construído por portugueses do século XV. É uma estrutura escavada na rocha, no tufo vulcânico, feita pelo homem — não se trata de um fenómeno natural.

BBC Reel

A estrutura escavada na rocha é comparável às que encontramos no Mediterrâneo com 2.000 anos

Quando foi feita, quem o fez? Até agora o que temos é a tipologia, que comparamos com as que existem no Mediterrâneo, com pelo menos 2.000 anos”, diz Rodrigues. “É a tipologia das estruturas fúnebres a que chamamos Columbários, que serviam para colocar a cinza dos mortos”.

Ao lado desta estrutura, encontra-se um forno onde ocorreu cremação de ossos, que, para o investigador, faz parte do mesmo complexo ritualista.

Estruturas semelhantes são encontradas em outros sítios na Ilha Terceira, no interior de rochas vulcânicas perfeitamente escavadas, interligadas por canais que escoam água para o mar. “Todo este espaço parece ser um espaço sagrado“, diz o professor da U.Açores.

Mas nem todos os cientistas estão convencidos de que estas construções sejam tão antigas quanto o sugerido pelas datações. Alguns sustentam que se pode tratar de estábulos de fortalezas do século XVI.

Nesse caso, “a pias serviriam para os animais beberem água, mas há um problema: é que nenhum animal de quatro patas consegue beber água abaixo do nível das suas patas”, explica Felix Rodrigues.

Próximo destas construções, mais no interior da ilha, há estranhos rastos — sulcos paralelos escavados nas rochas vulcânicas, com uma distância de 1,20m entre si, cobertos por uma erupção que ocorreu há mais de mil anos.

Estes rastos,  a que os açorianos chamam “relheiras“, parecem ser caminhos ancestrais. Há pelo menos 500 metros de relheiras, que circulam entre si como se fossem linhas de caminhos de ferro.

“Há muito mistério à volta destes sulcos, não sabemos explicar, mas sabemos com o que é que se parecem: são equivalentes relheiras que e encontram em Malta, que são milenares”, explica o investigador.

A origem destas construções permanece envolta em controvérsia e mistério. As relheiras de Malta são investigadas há mais de 100 anos, e ainda não há respostas para a sua origem.

E, diz Felix Rodrigues, daqui a 200 anos, ainda não teremos respostas para o enigma das construções neolíticas dos Açores — e da misteriosa civilização que as criou.

Armando Batista, ZAP //

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