Os mercados estão em grande agitação perante os receios de uma recessão no Reino Unido. Os cortes de impostos anunciados recentemente pelo Governo estão a agravar ainda mais as preocupações dos investidores.
As promessas de uma revolução fiscal feitas por Liz Truss fizeram soar os alarmes ainda antes da confirmação de que seria a nova líder dos Conservadores — e desde a sua vitória, os mercados de acções e obrigações já perderam mais de 500 mil milhões de euros.
Agora que as cerimónias fúnebres da rainha Isabel II terminaram, o foco voltou-se novamente para Truss, que está sob grande pressão depois de ter assumido a chefia do Governo numa altura em que a inflação já chega aos 9,9% e quando se fala de possíveis aumentos de 80% na factura energética em Outubro.
As estimativas do Banco de Inglaterra divulgadas na semana passada apontam mesmo para que o país já esteja em recessão, já que o Produto Interno Bruto (PIB) nacional pode ter-se contraído 0,1% no terceiro trimestre, depois de um outro recuo de 0,1% que se verificou no segundo trimestre.
O cenário já era negro ainda antes de Truss entrar em Downing Street, mas a sua política de enormes cortes de impostos estão a agravar ainda mais as preocupações dos investidores, principalmente porque o plano prevê uma contração de empréstimos e mais endividamento público para compensar a perda de receita fiscal, numa altura em que os juros da dívida também estão a subir.
Estes receios têm feito mossa nos mercados, onde tem havido uma venda em massa de várias classes de activos. O pânico dos investidores fez com que a libra caísse para mínimos históricos face ao dólar e o Banco de Inglaterra já fez saber que vai aumentar as taxas de juro se a inflação galopante e a desvalorização da moeda continuarem a agravar-se.
Desde 5 de Setembro, o FTSE 350 — índice que engloba acções do FTSE 100 e do FTSE 250 – perdeu o equivalente a mais de 300 mil milhões de euros em capitalização de mercado.
Os dados recolhidos pela Bloomberg revelam que o índice da dívida soberana britânica perdeu mais de 180 mil milhões de euros em valor de mercado neste mesmo período e que os juros da dívida com maturidade a 10 anos subiram mais de um ponto percentual, ultrapassando os 4% pela primeira vez desde 2010.
As obrigações de grau de investimento em libras também perderam 30 mil milhões de euros, um mínimo desde Março de 2016. Já um conjunto de títulos em libras cujo investimento é considerado especulativo – que é composto em 90% por empresas britânicas – viu o valor de mercado cair cerca de 1,4 mil milhões de euros.
“A confiança no Reino Unido foi abalada no meio de um crescente conjunto de preocupações sobre as previsões económicas e o rumo da administração Truss”, revela Susannah Streeter, analista sénior na Hargraves Lansdown, que acredita que “só uma mudança drástica” nas políticas do Governo pode acalmar os mercados.
Já Seema Shah, estratega-chefe na Principal Global Investors, acusa o Governo de não ajustar as suas políticas ao panorama actual. “O que o Governo do Reino Unido fez foi dizer ‘que se dane o cenário de inflação, vamos pensar apenas no crescimento. As ‘yields’ das obrigações só vão aumentar e anular muito desse movimento positivo na economia derivado dos cortes de impostos”, considera.
Mini-orçamento beneficia os mais ricos
Muita desta agitação surgiu depois de o Ministro das Finanças ter anunciado na sexta-feira o mini-orçamento que Truss tinha prometido. Kwasi Kwarteng prometeu que as medidas iriam pôr fim ao “ciclo de estagnação” com uma série de cortes de impostos.
O Governo decidiu manter o IRC em 19%, em vez de o aumentar para 25% como estava previsto. O aumento de 1,25% da contribuição para a Segurança Social, introduzido em abril pelo antecessor Rishi Sunak para ajudar a financiar os custos adicionais no sector da saúde, terá efeitos a partir de 6 de novembro.
O limite máximo para os bónus para banqueiros também vai acabar, numa tentativa de atrair mais investimento no sector financeiro. O imposto sobre as aquisições de imobiliário será cortado, haverá uma isenção de IVA para turistas e o aumento do imposto sobre o álcool que estava previsto vai ficar na gaveta.
Para abril de 2023, o início do ano fiscal no Reino Unido, o Governo pretende também abolir o escalão mais alto do IRS de 45%, passando os contribuintes mais ricos a pagar apenas 40%, e o escalão mais baixo vai descer de 20% para 19%.
Kwarteng justifica os cortes considerando “totalmente apropriado o Governo usar os poderes de endividamento para financiar medidas temporárias de forma a ajudar famílias e empresas”.
Nem todos são adeptos do pacote. De acordo com os cálculos da Resolution Foundation, citados pelo The Guardian, as medidas vão beneficiar muito mais os ricos do que a classe média.
Quem tem rendimentos anuais de um milhão de libras vai ganhar mais 55 220 libras com as mudanças, enquanto que um cidadão que ganhe 20 mil libras por ano vai ter um alívio de apenas 157 libras. Quase 45% dos benefícios vão para o 5% do topo enquanto que apenas 12% beneficiarão a camada mais pobre da população.
Torsten Bell, director executivo da Resolution Foundation, descreve as políticas como “um simplesmente impressionante e enorme corte de impostos para famílias mais ricas”.
Endividamento gera críticas
O impacto que as medidas terão no endividamento a longo prazo também é uma das preocupações da oposição. O Partido Trabalhista considera que impor um imposto extraordinário sobre as empresas petrolíferas seria uma melhor opção do que o endividamento público.
“A questão é, quem paga? Os produtores de energia que lucraram tanto da subida dos preços devem fazer uma contribuição. Mas quando o país perguntou quem deve pagar a conta do pacote de apoio da energia, os Conservadores respondem: vocês, os britânicos”, criticou a deputada Rachel Reeves.
O Instituto dos Estudos Fiscais (Institute of Fiscal Studies, IFS), uma organização independente de análise às políticas económicas, estima que o endividamento deverá atingir 100 000 milhões de libras (113 mil milhões de dólares) por ano, mesmo depois de as medidas de apoio às contas temporárias de energia chegarem ao fim dentro de dois anos.
Estas medidas, avisou, arriscam colocar a “dívida num caminho insustentável”. Kwarteng prometeu publicar “a médio prazo” um plano sobre como vai reduzir a dívida pública e novas previsões económicas até ao final do ano.
“A responsabilidade fiscal continua a ser essencial para a confiança económica e é um caminho no qual estamos empenhados”, vincou.
Adriana Peixoto, ZAP // Lusa