A razão pela qual a Ucrânia teve sucesso na contraofensiva à Rússia — e que desafios enfrenta agora

Alessandro Guerra / EPA

A Ucrânia diz que teve ganhos significativos ao conseguir o recuo de tropas russas, reconquistando mais de 3.000 quilómetros quadrados de território nos últimos dias.

Jonathan Beale, correspondente de defesa da BBC, analisa porque é que os ucranianos foram tão bem-sucedidos — e quais obstáculos as forças da Ucrânia ainda podem enfrentar para vencer a guerra.

“Não subestimem a capacidade dos ucranianos de surpreender”, disse um alto oficial militar dos EUA no início deste verão, no momento em que a Rússia continuava a fazer avanços no Donbass.

A capacidade da Ucrânia de surpreender tornou-se uma marca registada desta guerra: desde a retirada russa de Kiev até os recentes ataques na Crimeia. Agora há outra surpresa a acontecer no leste do país.

Até agora, era a Rússia que fazia a maioria dos avanços — embora de forma lenta e desgastante, que estava a sair caro ao seu exército. Agora é a Ucrânia que está a fazer conquistas, recuperando milhares de quilómetros quadrados de território numa questão de dias.

Os maiores ganhos para a Ucrânia foram no leste ao redor da cidade de Kharkiv. O último relatório de inteligência de defesa do Reino Unido diz que a Ucrânia libertou agora uma grande área de território.

A Ucrânia diz que capturou as cidades estrategicamente importantes de Izyum e Kupiansk, centros militares usados ​​pela Rússia para reabastecer as suas forças no Donbass. Essas perdas por si só seriam um grande golpe para o exército russo.

A surpresa tem sido a chave para os avanços da Ucrânia. Isso e o uso inteligente de armas ocidentais. Na semana passada, o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, disse que a artilharia de longo alcance atingiu mais de 400 alvos-chave durante o período do verão.

Antes da chegada dessas armas, a Rússia sempre teve uma vantagem numérica em termos de artilharia. Mas agora a situação parece ter mudado: oficiais de inteligência dos EUA afirmam que a Rússia está a ter que procurar a ajuda da Coreia do Norte para reabastecê-los com milhões de projéteis de artilharia, sugerindo que os seus stocks foram seriamente esgotados nos seis meses de combate.

Esse impacto destas armas ocidentais — combinado com a determinação da Ucrânia em retomar território — pressionou as forças russas e seus representantes a entrarem no que parece ser uma retirada caótica. Imagens nas redes sociais mostram tanques, veículos blindados, armas e munições deixados para trás às pressas e abandonados.

Curiosamente, o avanço no leste foi muito mais rápido do que a bem divulgada ofensiva dos ucranianos no sul em direção à cidade de Kherson. A Ucrânia tinha telegrafado essa ofensiva muito antes de começar, enquanto mantinha silêncio sobre os seus planos para o leste. Tudo agora parece ter sido parte do plano: se não um desvio, então uma oportunidade para esconder o que estava a preparar no leste.

É claro que despistou, com sucesso, a Rússia. Nos últimos meses, a Rússia vem redistribuindo forças do leste para reforçar as suas defesas no sul. Ambas as frentes estão agora vulneráveis.

Mas a Ucrânia está a achar mais difícil obter ganhos no sul, onde está mais exposta, tendo que lutar principalmente em campos abertos. Um exército em avanço precisa de mais tropas e poder de fogo para superar um exército em defesa.

O perigo para a Ucrânia agora pode ser semelhante ao que a Rússia enfrentou nos estágios iniciais da guerra. Tentar avançar em várias frentes pode custar caro — em termos de munição, equipamentos e tropas.

Quanto maiores os ganhos, mais longas as linhas de fornecimento — que podem ser alvo do exército defensor. Há também o risco de que as forças que avançaram mais longe, criando uma “protuberância” na linha defensiva, possam ser cercadas.

Apesar do otimismo, o ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov, alertou que as forças da Ucrânia no leste podem agora estar mais vulneráveis ​​a um contra-ataque russo. Apoderar-se do território não é suficiente. Um exército tem que manter a área também. Isso pode ser mais fácil se a população local estiver a apoiá-lo.

A dupla ofensiva da Ucrânia ainda é arriscada. Poderia facilmente sofrer contratempos. Mas isso é muito mais do que simplesmente recuperar a terra, mesmo que esse seja o objetivo final.

A Ucrânia está a enviar um sinal ao mundo de que realmente acredita que pode vencer esta guerra. Já está a usar esses ganhos para apelar para mais armas ocidentais.

E a ofensiva chega num momento críticopouco antes do inverno, quando será mais difícil lutar e a vontade do Ocidente será testada. A guerra está longe de terminar. Mas a Ucrânia está mais uma vez a mostrar ao mundo a sua capacidade de surpreender e superar as adversidades.

ZAP // BBC

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