De acordo com os dados do FMI, entre 2019 e 2022, o saldo estrutural português apenas piorou 0,5 pontos — o valor mais baixo em toda a zona euro.
Após a economia ser afetada pela pandemia e continuar a enfrentar o impacto negativo da guerra na Ucrânia, Portugal é o país que vai terminar 2022 com um saldo orçamental estrutural mais próximo daquele que registava em 2019.
O indicador, calculado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), revela que, em época de crises, Portugal tem optado por usar com muita prudência a política orçamental, para ajudar a combater a pandemia, segundo o Público.
O saldo estrutural, ao contrário do mais usado saldo orçamental nominal, retira das contas o efeito da conjuntura económica e das medidas de carácter temporário.
Ou seja, se o saldo estrutural se mantiver igual, a evolução do saldo nominal deveu-se apenas à evolução da conjuntura económica — reduzindo o défice com a ajuda de mais crescimento económico ou deixando agravar o défice por causa dos efeitos da quebra da atividade económica, por exemplo.
Se o saldo estrutural diminuir, o país está a aplicar uma política orçamental expansionista. Se o saldo melhorar, a política é considerada contracionista.
A pandemia fez com que, durante os últimos anos, os governos da zona euro (e da maior parte do globo) usassem os seus orçamentos para compensar a súbita queda de atividade económica.
Fizeram-no através de uma política expansionista, deteriorando, principalmente em 2020, mais o equilíbrio das contas públicas do que aquilo que seria justificado pela queda da economia.
Segundo os números publicados pelo FMI nas Previsões de Primavera, esta terça feira, o saldo estrutural caiu de forma acentuada em todos os países da zona euro.
Durante o ano passado e este ano, o saldo não vai recuperar o suficiente para regressar aos níveis em que se encontrava em 2019.
Portugal é, contudo, o país que se deverá aproximar mais do nível pré-crise, já este ano. De acordo com a estimativa do Fundo, o saldo estrutural português, que em 2019 foi de -0,1% e em 2020 caiu para -0,9%, será em 2022 de -0,6% — apenas a 0,5 pontos percentuais do nível anterior à crise.
No total da zona euro, o saldo estrutural caiu a pique em 2020, de -0,5% para -4,5% e, até 2022, deverá subir para -3,5% — a três pontos percentuais do nível pré-crise.
Apesar de Portugal estar entre os países que mais sofreu com os efeitos da pandemia (com o turismo, por exemplo) destaca-se neste indicador por ser também um dos que menos deixou o défice público derrapar.
E a aposta em medidas sem impacto imediato no défice, como as moratórias de crédito ou a concessão de garantias públicas para empréstimos, em vez de mais apoios financeiros diretos às famílias e às empresas, explica em larga medida o desempenho das finanças públicas portuguesas neste período.
É preciso não esquecer ainda que os números referentes a 2022 apresentados pelo FMI para Portugal e para os outros países são ainda uma estimativa.
No caso de Portugal, o FMI aponta, em comparação com o que está previsto na proposta de OE apresentada pelo Governo na semana passada, para um crescimento mais fraco este ano e para um défice orçamental mais alto.
O FMI, num relatório marcado pelos efeitos negativos da guerra na Ucrânia na economia mundial, prevê um crescimento de apenas 4% da economia portuguesa.
São menos 1,1 pontos percentuais do que a projeção que o próprio Fundo tinha feito em outubro, antes do início da guerra.
Ficam também consideravelmente abaixo dos 4,9% usados pelo Governo, como base para a proposta de OE entregue no Parlamento.
Governo mais otimista que o FMI
O FMI é claramente menos otimista que o Executivo português, algo que é evidente nas previsões para 2023 — ano para o qual o Fundo projeta um crescimento da economia portuguesa de 2,1%, comparando com a variação de 3,3% do PIB projetada pelo Governo no Programa de Estabilidade.
Esta diferença de expectativas económicas em Portugal pode ser explicada pelo facto de o FMI antecipar um impacto da guerra na Ucrânia na conjuntura internacional bem mais negativo do que aquele que é assumido pelo Governo na proposta de OE.
O OE assume um crescimento da economia na zona euro de 3,7%, com parceiros comerciais importantes como Espanha, Alemanha e França a registarem variações do PIB de 5,8%, 3,8% e 3,5%, respetivamente.
O FMI, que já tinha feito uma revisão das suas previsões de outono em janeiro do ano passado, ficou ainda mais pessimista em relação aos efeitos da guerra — passou a prever um crescimento na zona euro em 2022 de apenas 2,8%.
O Fundo antecipa um crescimento de 4,8% para Espanha, de 2,1% para Alemanha, e de 2,9% para França.
Há também preocupações relativamente às pressões inflacionistas já existentes desde meados de 2021, e ao impacto que os novos confinamentos na China podem vir a ter na evolução da maior economia asiática.
O FMI alerta que “a guerra irá atrasar severamente a recuperação global, abrandando o crescimento e aumentando a inflação ainda mais”, criando desafios complexos aos decisores políticos, quer nos governos, quer nos bancos centrais.
Neste cenário mais desfavorável para a economia portuguesa, o FMI não acredita que o Governo consiga cumprir as metas orçamentais que delineou na proposta do OE.
O Executivo definiu como meta uma descida do défice público de 2,8% em 2021 para 1,9% em 2022 no OE, apontando ainda no Programa de Estabilidade para um défice de apenas 0,7% em 2023.
O Fundo, que prevê um cenário mais negativo, aposta numa redução do défice nominal mais moderada, baixando apenas para 2,4% este ano, e 1,6 % em 2023.
Enquanto no OE se assume que a taxa de desemprego continue a diminuir em 2022 a um ritmo relativamente rápido, passando de 6,6% para 6%, o FMI traça um cenário de quase estabilização deste indicador, assistindo-se apenas a uma ligeira redução de 6,6% para 6,5% este ano, e para 6,4% em 2023.
Já no que diz respeito à inflação, também afetada pela guerra na Ucrânia, o Governo e o FMI estão mais alinhados nas suas previsões. A previsão do Fundo para a taxa de inflação portuguesa em 2022 é de 4%.
É o segundo valor mais baixo entre os países da zona euro, abaixo da média europeia de 5,3%. É também exatamente igual à previsão para a taxa de inflação do Governo no Orçamento de Estado.