Mário Cruz/Lusa

Através de uma plataforma de deteção de plágio, foi possível apurar que 90% do texto apresentado esta semana como programa do Governo é semelhante ao texto com que os socialistas se apresentaram a votos em janeiro.
Apesar de nos momentos que antecederam a entrega do programa do Governo à Assembleia da República, Ana Catarina Mendes, ministra-adjunta e dos Assuntos Parlamentares, ter afirmado que “o mundo mudou” entre as eleições de 30 de janeiro e a tomada de posse do atual Governo, deixando antever alterações face ao programa eleitoral com que o PS se submeteu a eleições, a verdade é que a substância do documento permanece inalterada.
A conclusão é feita pelo jornal Público, que recorreu a uma plataforma de deteção de plágio para calcular as similitudes entre os dois textos. De facto, segundo esta fonte, entre as as 122 páginas do programa do PS e as 181 do programa do Governo, 79,4% do plano mantê-se – com alterações registadas em 12,2% do documento. Para justificar as poucas alterações, face ao que podia ser expectável, Mariana Vieira da Silva, explicou que se trata do “programa que reproduz, a grosso modo, o programa eleitoral do partido mais votado e que obteve uma maioria absoluta nas últimas eleições”.
No que respeita a alterações concretas, estas acontecem na Defesa: o programa eleitoral previa o “compromisso de aumentar a despesa apontando para um rácio entre 1,66% e 1,98% do PIB em 2024”. Já no programa do Governo, não são feitas alusões a metas concretas, nomeadamente em matéria de investimento ou datas. As futuras tomadas de decisões ficam, na realidade, muito dependentes das posições tomadas pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), dando ao Executivo mais espaço para decidir de acordo com a conjuntura.
O Governo prepara-se também para os futuros impactos da crise, mostrando-se disponível para um “pacote integrado de medidas” contra “aumentos exponenciais” de preço. O objetivo parece ser “a preservação da capacidade produtiva do país, a ajuda às empresas com dificuldades de tesouraria e Às famílias, e a defesa contra os aumentos exponenciais do preço da energia e dos bens alimentares”. Não é feita, ainda assim, qualquer especificação quanto a datas.
É ainda sublinhada a necessidade de mudar o “paradigma existe, que é muito centrado no recurso ao crédito bancário e ao endividamento“. Relativamente à inflação, um dos fenómenos que mais tem feito tremer economistas e diretores de bancos centrais, nenhuma referência é feita.
Outras ausências têm que ver, por exemplo, com a saúde. Nesta área, não é abordada a promessa feita pelos socialistas em 2015 para a atribuição de médico de família a todos os portugueses ou, na economia, à autorização de residência em Portugal para investimento, os chamados Vistos Gold. Uma das omissões mais notadas diz respeito à energia, área que tem merecido mais destaque como consequência da guerra na Ucrânia e das dificuldades que o conflito tem imposto à Europa em matéria de fornecimento de gás.
Em termos ambientais, são, no entanto, reforçadas as metas da redução das emissões dos gases com efeito de estufa em 55% até 2030, o aumento do peso das energias limpas na produção elétrica em 80% até 2026 e o aumento em 47% no consumo final bruto de energia até 2030.
Ainda segundo o Público, o programa apresenta muitias semelhanças ao Programa de Recuperação e Resiliência, algo que muitos já antecipavam pelos calendários coincidentes.
Quanto às novidades, há espaço para novas e mais ambiciosas metas na dívida pública face previsto no programa eleitoral. Segundo este documento, o PS estimava que o valor caísse “para um nível inferior a 110% do PIB” em 2026, ao passo que atualmente antevê o indicador a “um nível pouco superior a 100% do PIB”. Outro acrescento remete para os apoios às famílias, nomeadamente às creches. O objetivo do Governo passa a ser a criação de 20 mil novos lugares até 2026.
Nenhuma alteração foi feita, ao contrário do que seria expectável, aos valores que o Governo pretendia apresentar nas negociações com a concertação social para a melhoria dos rendimentos dos trabalhadores. A meta do salário mínimo de “pelo menos” 900 euros até 2026 mantêm-se inalterável.
Entre o dizer e o fazer ainda vai muita distância!