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Cancelar Dostoiévski e Tolstoi? “Ninguém cancelou Goethe ou Bach durante o nazismo”

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Vasily Perov / Wikimedia

O escritor russo Fiodór Dostoiévski.

“Retrato de Fiodór Dostoiévski”, por Vasily Perov.

Vários artistas russos estão a ser vítimas da “cancel culture” devido à invasão russa da Ucrânia. “Ninguém cancelou Goethe ou Bach durante o nazismo”, defende o tradutor Irineu Franco Perpetuo.

A Milano-Bicocca, umas das maiores universidades de Itália, cancelou um curso livre sobre o romancista russo Fiódor Dostoiévski “neste momento de grande tensão”. Entretanto, face às críticas que a decisão gerou, a universidade italiana reverteu a decisão, mas o assunto vai mesmo chegar ao Parlamento italiano.

A primeira reação veio precisamente de Paolo Nori, professor, escritor e especialista em Literatura Russa, que iria estar encarregue do curso livre.

“Ser russo é um problema? Incluindo ser um russo morto? O que está a acontecer na Ucrânia é horrível e tenho vontade de chorar só de pensar. Mas o que está a acontecer é ridículo: uma universidade italiana que proíbe um curso sobre Dostoiévski, não consigo acreditar. Devíamos falar mais sobre Dostoiévski. Ou de Tolstoi, o primeiro a inspirar movimentos não violentos”, questionou Nori num vídeo divulgado através do Instagram.

 

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O ex-primeiro ministro Matteo Renzi e a atual ministra do Ensino Superior e da Investigação, Maria Cristina Messa, também criticaram a decisão da universidade milanesa.

“A nossa universidade está aberta ao diálogo mesmo neste período muito difícil que nos vê consternados com a escalada do conflito”, disse, em comunicado, a Milano-Bicocca, após reverter a decisão de cancelar o curso.

Agora é Paolo Nori quem não sabe se quer avançar com o curso, escreve a agência italiana ANSA. “Agora não sei se vou, preciso de pensar. Não sei se quero ir para uma universidade que pensou que Dostoiévski é algo que gera tensão”, atirou o especialista.

O autarca de Florença, Dario Nardella, também recebeu pedidos para derrubar uma estátua na cidade em homenagem ao bicentenário de Fiódor Dostoiévski, obra que foi doada pela Embaixada da Rússia.

“Que tal em vez de apagar séculos de cultura russa, pensemos em como parar Putin rapidamente?”, questionou Nardella.

Novamente em Itália, mais precisamente em Génova, um festival dedicado ao escritor foi cancelado devido ao patrocínio do consulado russo.

No País de Gales, a Orquestra Filarmónica de Cardiff excluiu o compositor russo Piotr Ilitch Tchaikovsky da programação por considerá-lo “impróprio” face à invasão russa da Ucrânia.

Em Nova Iorque, nos Estados Unidos, a soprano Anna Netrebko viu as suas atuações serem canceladas.

Um pouco por todo o mundo, os filmes russos têm sido retirados de vários festivais de cinema, assim como aconteceu no Festival de Cannes, em França.

Em entrevista ao jornal O Globo, Irineu Franco Perpetuo, tradutor de obras de Dostoiévski e Tolstói, diz que boicotar a cultura russa pode ser um tiro no pé. 

O especialista argumenta que, por vezes, é até difícil distinguir o que vem da Rússia do que vem da Ucrânia. A Sinfonia n.º 2 de Tchaikovsky, por exemplo, é inspirada em melodias folclóricas ucranianas. “Cancelaram uma obra que exalta a Ucrânia!”, lamentou o tradutor brasileiro.

“Putin não representa o património cultural russo. Ninguém cancelou Goethe ou Bach durante o nazismo”, atirou Perpetuo, referindo-se aos compositores germânicos.

Confrontando com o facto de Dostoiévski ter sido um defensor do nacionalismo, da Igreja Ortodoxa e de um governo autoritário, como o de Vladimir Putin, Perpetuo explicou que não é bem assim.

“O Dostoiévski jornalista é 100% alinhado com o nacionalismo, a ortodoxia e o autoritarismo. Mas Leonid Grossman disse que o Dostoiévski ficcionista derrota o analista político”, salientou, acrescentando que “a sua obra é mais rica e complexa do que o seu posicionamento político”.

Daniel Costa, ZAP //

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24 Comments

  1. Tal como qualquer ocidental, fiquei chocado com a invasão da Ucrânia, e como tal concordo com a generalidade das sanções aplicadas à Rússia (e até penso que a Europa deveria ter ido um pouco mais além).
    No entanto, devemos manter a serenidade e ter o cuidado de não descer ao nível da Rússia.
    Banir, ou cancelar, como se diz hoje em dia, a cultura russa, é um passo que não devemos dar. Esse é um passo típico dos regimes autoritários, que não querem que os seus cidadãos sejam ‘envenenados’ com a cultura ocidental. A Rússia por exemplo, faz isso para que os seus cidadãos não questionem o regime, nem a fábula, a que Putin chama história, russa. Mas olhando para o nosso caso, que ameaça para os valores ocidentais representam Dostoievski ou Tolstoi, numa altura onde até o Mein Kampf é permitido?
    Da mesma forma a Europa nunca deveria ter proibido os canais do regime russo, RT e Sputnik. A Rússia proibiu os meios de comunicação ocidentais para que os seus cidadãos não saibam a verdade acerca da agressão russa na Ucrânia, bem como acerca dos crimes de guerra lá cometidos, ou das baixas sofridas. Mas que ameaça para os regimes ocidentais constituem os canais russos? São simplesmente canais de propaganda, alguma dela seria até hilariante, se não se tratassem de assuntos tão sérios. Além de não constituírem qualquer ameaça, abrem um precedente perigoso, que é o da censura.
    Finalmente, a manietação de empresas detidas por oligarcas russos é um outro passo que a Europa deveria ter dado, mas com muito mais cuidado. O Chelsea é o caso mais mediático, de uma empresa que pode falir por simplesmente pertencer a um oligarca russo. Não seria mais fácil a nacionalização do Chelsea, e passagem da gestão para o Estado, para que os empregados, clientes e fornecedores dessas empresas não sofressem pelo facto das empresas serem detidas por oligarcas russos? Em que é que o Ocidente ficaria ameaçado se o Chelsea ganhar os jogos em que participa?

    • Parabéns pela sua análise. Revejo-me em quase tudo com excepção das primeiras frases do 3.º parágrafo. A censura de órgãos de informação e de informações claramente propagandísticas e falsas, deverá ser um recurso sempre que necessário. Bem sei que será difícil discernir onde começa esse “sempre que necessário”.

      Mas não podemos esquecer-nos que a maioria da “populaça” não passa da primeira página de pesquisa do google, vê futebol e delira como se os êxitos fossem próprios, aceita mansamente as vigarices dos políticos e as suas manipulações (basta lembrar as polémicas com os Senhores do Bloco) e assistem religiosamente aos espectáculos deprimentes do lixo televisivo como o são os reality shows ou os painéis da CMTV.

      Não podemos cair no erro e presunção de pensar que todos têm as mesmas competências do que nós no que respeita a processar e filtrar informação. Infelizmente, para a maioria, este é um mal (reconheço-o) necessário, sobre o qual é preciso agir com pinças, mas sem hesitações.

      Cumprimentos,

      • Quando falamos dos efeitos perniciosos da propaganda devemos preocupar-nos, sobretudo, com a NOSSA propaganda.
        A propaganda direccionada ao exterior (inimigo) tem uma eficácia muito reduzida. O ‘lado de lá’ é desconfiado e o efeito das mensagens que se recebe tem tendência para ser filtrado e o seu sentido invertido.
        Não é necessário sermos grandes sumidades intelectuais para sabermos filtrar a mensagem do inimigo.
        É a nossa própria propaganda que devemos recear. Essa sim, tem emissão e recepção com ‘capa’ de legitimidade.

        • Caro Senhor,
          Constato que é uma pessoa educada e instruída. Mad o seu raciocínio é profundamente ingénuo. Um bom demagogo facilmente consegue controlar as massas pouco instruídas. Insisto, tendemos a ver os outros de forma enviesada a partir de um alter-ego. Mas eles não o são. Se assim não fosse, não teríamos os Sócrates, Vale e Azevedo ou Bruno de Carvalho, só para não sair da realidade nacional do último quartel. A narrativa da COVID e da vacinação é outro exemplo (e, não, não sou nem anti-vacinas, nem negacionismta). Se quiser ir mais longe, os exemplos crescem exponencialmente. Para não peder muito tempo e para reflectir acerca do fenómeno da manipulação das massas e da memória colectiva, deuxo a sugestão de revisitação do Triunfo dos Porcos. Abraço

  2. Se a “cultura-do-cancelamento” fosse só isso…
    Temos sido “poupados” a ser informados sobre a porcaria em que os anglo-saxonicos e até os franceses se transformaram.
    Sem precisar de putin para nada. Quando chegar cá, então vão ver o que é bom.

  3. Em tempos idos, faz para o mês que vem 48 anos que houve um determinado partido que se apoderou do poder e baniu uma quantidade de intelectuais, cantores, escritores, etc. porque, diziam, estavam ligados ao antigo regime. Muitos deles tiveram que emigrar. È preciso não esquecer a história!

  4. Exceptuando o primeiro parágrafo e o segundo, não encontro muitas diferenças entre o que penso sobre o assunto em apreço e também é de louvar a elevação do debate, fora da histeria emocional persecutória, pois só assim nos entendemos uns com os outros. Regressando ao debate sério, penso que, nas relações com os parceiros europeus e desde sempre, a Rússia tem demonstrado ser um parceiro credível e nessa conformidade foi tornando claras as suas legítimas preocupações de segurança com a expansão da NATO a Leste, basta ver no mapa, armando com tecnologia avançada os países fronteiriços. Entretanto, o pior viria a acontecer com o golpe militar na Ucrânia em 2014, apoiado e monitorizado pelos Estados Unidos, colocando no poder um governo com representação nazi no Ministério do Interior, que desde logo começou a dizimar a população russa de Donetsk e Lugansk durante oito longos anos, tudo culminando mais recentemente com a pretensão de integrar a NATO à revelia das recomendações da OSCE, da Acta Final de Helsínquia, da Carta das Nações Unidas e dos acordos de Minsk..

    • Caro Senhor,
      Uma simples pergunta: sabe o que significa SOBERANIA?
      Admitindo que sim, pedia-lhe o favor de reflectir acerca desse conceito e da aspiração da Ucrânia a entrar na NATO e na UE.
      Cumprimentos

      • Ao conjunto dos poderes que regulam uma nação politicamente organizada chama-se soberania. As nações estabelecem entre elas as normas ou regras que devem presidir ao seu relacionamento com respeito mútuo, nomeadamente na área militar, mas também social e económica. As guerras extravagam este conceito por questões de obtenção de hegemonia geoestratégica e de recursos naturais e por essa razão firmam-se acordos internacionais como forma de garantir segurança entre todos. Só que há sempre quem os não cumpre e no caso em apreço, infelizmente, os Estados Unidos não constituem um bom exemplo, bem pelo contrário. No pós II guerra Mundial, o ocidente considerou que estava a ser ameaçado pela URSS e criou a NATO a que os soviéticos responderam com o Pacto de Varsóvia, assim aparecendo a chamada Guerra Fria. Desaparecendo a URSS e consequentemente o Pacto de Varsóvia, não existia razão para que a NATO continuasse, mas ela continuou e até se expandiu, especialmente para leste, até às fronteiras da Rússia, onde vemos países aderentes para onde são canalizados em profusão meios militares sofisticados. A Ucrânia sofreu internamente mudanças drásticas de regime e no último, com a prestimosa ajuda dos USA/NATO, instalou-se um poder com representação nazi que pura e simplesmente deixou de cumprir os acordos que anteriormente tinha feito com a Rússia, sob a égide da França e da Alemanha, dizimou a população russa de Donetsk e Gdansk, alguns queimados vivos na Casa Sindical e o resultado está à vista com a população ucraniana agora transformada em carne para canhão, tornando urgente um acordo de Paz para bem do mundo.

        • Ok. Constato que conhece o conceito. Também conhece a História. Agora e só mesmo uma questão de enquadramento. O pacto de Varsóvia morreu com a desagregação do Leste. É verdade que o papel da OTAN foi amplamente esvaziado pelo desmembramento do Leste, mas isso não implica a respectiva dissolução. Ainda bem, como agora, infelizmente, se constata. O desejável seria estas organizações não serem necessárias. Mas, perante tantos loucos e ditadores, isso é uma utopia.
          Quanto aos EUA e algumas das suas intervenções, não estamos muito longe.

          • Mas então, em que ficamos, o papel da NATO ficou esvaziado e essa realidade não implica a sua dissolução? O actual problema existe exactamente porque a NATO não foi dissolvida, bem pelo contrário, tornou-se no braço armado dos USA/UE e até se expandiu, nomeadamente para leste junto às fronteiras com a Rússia e proporcionando aos países aderentes equipamento militar sofisticado. A resposta tinha que aparecer, ainda por cima cimentada pela não observância de acordos bilaterais e multilaterais, tais como, Acordos de Minsk, entre Rússia e Ucrânia sob a égide da França e Alemanha, também as recomendações da OSCE, da Acta Final de Helsínquia e da Carta da ONU. Agora choram pelo «leite» derramado?

          • Como se vê, o papel da NATO e a sua existência mantêm-se plenamente actuais.
            Quanto à ideia do braço armado de EUA e UE, o Senhor parece esquecer que a NATO é uma aliança defensiva. Aqui o agressor é um: Rússia. O resto é conversa.

  5. “Cancelar” a cultura è uma idiotice pegada que só os mentecaptos incompetentes que governam o ocidente podem parturir…
    E è essa incompetência que iremos pagar muito caro.
    Esta banda está só interessada em fornecer os próprios bolsos; tudo o que se está a passar era perfeitamente previsível – há quem tenha escrito livros sobre o assunto há mais de 2 anos – mas não era,obviamente, conveniente fazer ondas para – preventivamente – travar a coisa.
    Perguntemo-nos por que razão um ex-chanceler alemão ainda não se demitiu do conselho de administração da produtora de gás russa……

  6. Como se os escritores russos tivessem alguma culpa da existência de um aborto chamado Putin! Realmente, há idiotas que não têm mais nada que fazer do que inventar estas pnlrics…

  7. A cultura woke e cancel que vão todos fazer broxes aos pais deles. Até nisto têm de se meter esses inúteis imprestáveis. Nunca ao cima da terra houve geração tão imbecil e cretina.

  8. Antes de mais, é triste ver que esta guerra só tomou proporções gigantescas porque é próxima dos limites Europeus!
    E há que desde já esclarecer que sou pró-paz e do modo algum menosprezo esta guerra. Mas onde estavam os corredores humanitários para os refugiados Sírios? E a massiva vala comum que se chama Mar Mediterrânio? E porque esses regugiados eram barrados e estes quase se estende o tapete vermelho para a entrada na UE. A vida é preciosa para todos e ninguém nasce ilegal!
    O banir da cultura Russa é no mínimo estúpido! Acaso voltamos ao tempo da queima de livros proibidos!!!!????
    Além de que é necessário esclarecimento das coisas, para não se repetirem! Banir a erudicao é banir o percurso para um mundo melhor! Se se esconde, não se aprende!
    E o mais estranho é que se hoje se pode opinar e sancionar, baseando-nos em justiça social, é porque antes de nós houve filósofos a semear a ideia! Acaso alguém baniu as pinturas renascentistas e belas obras italianas quando os estados italianos pertenciam ao eixo nazi?

  9. Anna Netrebko, uma cantora em degradação é que impõe nos contratos o marido – um tenor horroroso, é apoiaste de Putin. Fê-lo na altura da anexação da Crimea e foi ameaçada de lhe ser tirada a cidadania austríaca.

    • Essa pessoa (pessoa?) é criticável, mas não é por isso que vamos banir as obras dos compositore russos.

      Vamos banir também os autores ocidentai porque foram “cantados” por russos???????

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