Após duas semanas de intensas negociações, as 197 delegações presentes na COP26 aprovaram o “Pacto do Clima de Glasgow”.
O Pacto Climático de Glasgow, aprovado este sábado na cimeira do clima das Nações Unidas, mantém a ambição de conter o aumento da temperatura em 1,5ºC, promete mais apoios financeiros e regula o mercado do carbono.
O documento, que sofreu alterações até ao último minuto e com a questão do carvão a provocar polémica, reafirma o objetivo de limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC acima dos valores da era pré-industrial.
Além disso, diz ser necessário reduzir as emissões de dióxido de carbono em 45% até 2030, em relação a 2010, e contém compromissos sobre apoio financeiro a países em desenvolvimento para combate e adaptação às alterações climáticas.
A 26.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP26), que tinha encerramento marcado para sexta-feira, prolongou-se por mais um dia devido às divergências sobretudo entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, que só foram ultrapassadas após várias versões preliminares dos textos finais.
Ciência e urgência
A primeira secção reconhece a importância dos relatórios científicos, em particular do Painel Intergovernamental para a Alterações Climáticas (IPCC, na sigla original), que no relatório de agosto deste ano advertiu para o risco de se atingir o limiar de 1,5 graus celsius por volta de 2030, dez anos mais cedo do que anteriormente estimado.
Nesta parte, é expresso “alarme e extrema preocupação” pelo facto de atividades humanas serem a causa do aquecimento global e enfatizada a “urgência” de tomar medidas de mitigação, adaptação e financiamento na implementação do Acordo de Paris de 2015, sobre redução de emissões de gases com efeito de estufa.
Adaptação
Desastres climáticos têm-se registado em todas as partes do mundo, mas os países menos desenvolvidos são os mais afetados e os menos preparados.
O acordo de Paris reconhecia a necessidade de os países mais ricos contribuírem com financiamento, e este foi um dos pontos de maior discórdia.
O texto final da COP26 nota “com preocupação” que o financiamento climático para medidas de adaptação “continua a ser insuficiente”, uma referência ao facto de não terem sido cumpridos os compromissos de mobilizar 100 mil milhões de dólares em 2020.
O Pacto “incita” os países desenvolvidos a duplicar o financiamento até 2025 e apela para o envolvimento de bancos multilaterais de desenvolvimento, outras instituições financeiras e o setor privado para ajudar no esforço.
Mitigação
Mitigação é a expressão da ONU para cortar emissões, pelo que estes são os parágrafos principais.
No documento reconhece-se explicitamente o conselho do IPCC de que cortes de emissões de 45% são necessários até 2030. Ficar expresso esse valor é uma vitória para os países que se querem concentrar num aumento de temperatura de 1,5 C, em vez do limite superior de 2ºC, ambos referidos no acordo de Paris.
Mas a cimeira afirma-se preocupada com as contribuições determinadas por cada país (NDC) para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, e enfatiza a necessidade urgente de os países aumentarem os seus esforços até ao fim de 2022. E a comunicarem essas NDC rapidamente.
Combustíveis fósseis
Pela primeira vez é mencionada numa declaração final de uma COP a questão dos combustíveis fósseis.
Um projeto inicial apelava aos países para que acelerassem a eliminação gradual dos subsídios ao carvão e aos combustíveis fósseis, mas o texto final aprovado fica-se pela “intensificação dos esforços” para reduzir o carvão e eliminar os subsídios a combustíveis fósseis.
Apoio a países pobres e apoio para perdas e danos
Uma das questões polémicas na COP26 foi o facto de os países ricos não terem conseguido cumprir a sua promessa de mobilizar 100 mil milhões de dólares por ano até 2020 para ajudar as nações pobres a lidar com as alterações climáticas.
O Pacto Climático de Glasgow expressa “profundo pesar” pelo fracasso do financiamento e apela para que os países ricos concretizem o financiamento o mais rapidamente possível, e até 2025.
Apela ainda aos países mais desenvolvidos e instituições financeiras para que acelerem o alinhamento das suas atividades de financiamento com os objetivos do Acordo de Paris.
Também os apoios para catástrofes reais provocadas pelas alterações climáticas, as perdas e danos, foram discutidos. Foi reiterada a urgência de aumentarem os apoios, financeiros e de tecnologia, para minimizar e enfrentar as perdas e danos, reforçando também parcerias entre países ricos e pobres.
Mercado do carbono
A COP26 aprovou o chamado livro de regras do Acordo de Paris, o que não tinha sido possível em reuniões anteriores.
Trata-se das regras destinadas a ajudar a reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2), impedindo por exemplo a dupla contagem do carbono (pelo vendedor e comprador).
O Presidente da República português, Marcelo Rebelo de Sousa, saudou o “pequeno passo” dado na cimeira do clima, lamentando que “não tenha sido possível um consenso mais ambicioso”.
Da mesma forma, João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente e Ação Climática, considerou que as expectativas da cimeira foram “razoavelmente cumpridas”.
“Estamos a falar de um exercício multilateral, e, ainda que haja algumas partes deste acordo em que manifestamente devíamos ter ido mais longe, eu começo por dizer uma coisa: há acordo, coisa que não tivemos em Madrid, não tivemos em Katovice [as duas anteriores reuniões da ONU]”, afirmou o governante.
Em comunicado, António Guterres considerou que a COP26 “deu passos em frente que são bem-vindos”, mas ressalvou que se trata de “um compromisso” cheio de “contradições”.
“Ainda não chega”, afirmou, apontando que “os textos aprovados são um compromisso, refletem os interesses, as condições, as contradições e o estado da vontade política no mundo de hoje”.
No Twitter, Greta Thunberg, fundadora do movimento greve climática estudantil, afirmou que a cimeira reduziu-se a cerca de duas semanas de exaltação do status quo da ação climática e do “blá, blá, blá” dos políticos.
“O verdadeiro trabalho continua fora dessas salas. E nunca, jamais, desistiremos”, acrescentou.
The #COP26 is over. Here’s a brief summary: Blah, blah, blah.
But the real work continues outside these halls. And we will never give up, ever. https://t.co/EOne9OogiR
— Greta Thunberg (@GretaThunberg) November 13, 2021
Já o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, considerou “histórico” o acordo adotado em Glasgow, mas admitiu que resta “muito por fazer nos próximos anos”.
“Ainda há muito mais a fazer nos próximos anos. Mas o acordo de hoje é um grande passo em frente e, crucialmente, temos o primeiro acordo internacional para reduzir o carvão e um roteiro para limitar o aquecimento global a 1,5 graus” celsius, disse.
We’ve made serious breakthroughs @COP26.
We’ve kept 1.5 alive and made huge progress on coal, cars, cash and trees.
And while there is still so much that needs to be done to save our planet, we’ll look back at COP26 as the moment humanity finally got real about climate change. pic.twitter.com/Rf91HN4fS3
— Boris Johnson (@BorisJohnson) November 13, 2021
Por último, as organizações ecologistas consideraram “demasiado pobre” e “fraco em compromissos firmes e concretos” o compromisso alcançado.
Para a associação ambientalista Amigos da Terra, a COP26 foi a cimeira “mais excluidora da História”, tendo a responsável Cristina Alonso, assinalado uma “falta de ambição no acordo”, que irá conduzir a “um aumento da temperatura global muito superior ao que a ciência determina, e ao que a sociedade civil de todo o mundo reclama”.
David Howell, da SEO/BirdLife, assinalou que, globalmente, o resultado da cimeira é “totalmente insuficiente” porque, apesar de figurarem no acordo o abandono dos combustíveis fósseis e os subsídios associados, “ficou expresso em termos demasiado tímidos para impulsionar a transformação colossal necessária”.
Já associação ambientalista Greenpeace advertiu que a decisão saída da COP26 “é débil”, e criticou o facto de a Índia ter introduzido, no último momento, uma modificação em que se fala de “redução progressiva”, em vez da eliminação do carvão.
A diretora da Greenpeace Internacional, Jennifer Morgan, assinalou que “apesar do acordo reconhecer a necessidade de reduzir as emissões nesta década, esses compromissos foram adiados para o ano que vem”.
ZAP // Lusa