Opção de João Gomes Cravinho de não dar conta a António Costa a investigação a alguns militares dos Comandos na República Centro Africana levou o primeiro-ministro a tomar conhecimento da investigação pela imprensa e a não informar o Presidente da República.
Desde segunda-feira, dia em que a Polícia Judiciária iniciou as buscas no âmbito da Operação Miríade, os principais responsáveis políticos desdobraram-se em declarações para afirmar que o bom nome e prestígio das Forças Armadas Portugueses não tinham sido beliscados pelas suspeitas de que um grupo de militares destacado na República Centro-Africana teria estado envolvido em esquemas de tráfico de diamantes, ouro e droga, no qual terão sido utilizados para transporte aviões das próprias Forças Armadas aquando dos regressos das missões portuguesas a território nacional. O ponto foi defendido de forma unânime.
Num primeiro momento, a informação partilhada com os órgãos de comunicação social dava conta de que as primeiras denúncias relacionadas com os esquemas terão chegado ao conhecimento do ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, no final de 2019, com o governante a comunicar à Organização das Nações Unidas — organismo que dirige as missões nas quais os militares portugueses estavam envolvidos — as suspeitas nos primeiros meses do ano seguinte (2020).
Acontece que as comunicações terão alegadamente ficado por aqui. Ao longo das últimas horas, tanto o primeiro-ministro António Costa como o ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva revelaram que tomaram conhecimento do caso pela comunicação social. Hoje, Augusto Santos Silva tentou desvalorizar a questão, afastando um cenário de má comunicação entre os membros no Governo nesta resta final de governação.
“Não há nenhum problema de comunicação dentro do Governo”, disse, no final de uma reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros, em Bruxelas.
O facto de António Costa não ter sido informado tem ramificações ainda mais extensas, já que o primeiro-ministro evocou este dado para também não ter dialogado com Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, sobre o tema.
“Eu também não informei o senhor Presidente da República pelo simples facto de que também não fui informado. […] O Presidente da República terá que dizer qual é a avaliação que tem de fazer sobre a matéria. A única coisa que eu posso confirmar é que eu também não informei o senhor Presidente da República pelo simples facto que eu também não estava informado”, alegou Costa.
Nesta má comunicação com Belém, Santos Silva também não vê qualquer inconveniente. “Também não há nenhum problema de comunicação entre o Governo e o Presidente da República”, esclareceu o chefe da diplomacia portuguesa, que garantiu ainda não haver qualquer tipo de tensão entre o Governo e o Chefe de Estado.
“Não me lembro de nenhum Governo, e já fiz parte de vários, em que a relação institucional com o Presidente da República (…) fosse tão fácil e tão conforme com a boa prática constitucional e as regras de cortesia e de solidariedade entre órgãos de soberania”, referiu, citado pelo Expresso.
Santos Silva evocou ainda “o segredo de Justiça” para explicar o facto de João Gomes Cravinho não ter solicitado uma audição a Marcelo Rebelo de Sousa para comunicar o caso. “Nós temos uma forma de comunicar as questões que nos são colocadas e que devemos partilhar, que é conforme também a algumas regras básicas de um Estado de direito, uma delas sendo o segredo de Justiça”, explicou.
Quem não ficou convencido com as justificações foi Rui Rio. O líder do PSD considerou a situação “particularmente grave” e é da opinião que o caso coloca o “Governo mal perante o Presidente da República”. Como tal, PSD e Bloco de Esquerda já avançaram com um pedido de audição urgente de Gomes Cravinho na Assembleia da República , com o PCP a anunciar que está disposto a viabilizar o pedido. O ministro, por sua vez, mostrou-se disponível para responder às perguntas dos deputados.
No âmbito internacional, também o porta-voz da missão, Vladimiro Monteiro, afirmou à TSF que “a Minusca tomou conhecimento através da imprensa, no dia 8 de novembro de 2021, das alegações relativas aos militares portugueses anteriormente destacados para a República Centro-Africana. A Minusca está disposta a apoiar qualquer pedido das autoridades portuguesas através da sede, em Nova Iorque. É tudo o que podemos dizer em relação a este assunto.”
Anteriormente, a ONU já tinha classificado as alegações “preocupantes” e mostrou-se disponível a cooperar nas investigações “quando apropriado, como qualquer investigação nacional, de acordo com o quadro jurídico que lhe é aplicável”, cita o Público.