Dez pessoas vão ser julgadas no Vaticano por crimes relacionados com a venda de um edifício em Londres. Visto como limitado e sombrio, o sistema judicial da cidade-estado está a mudar.
Carlo Capella é o único prisioneiro do Vaticano. O clérigo foi condenado, em 2018, a uma pena de cinco anos por posse e partilha de pornografia infantil.
A cidade-estado só tem três celas e raramente o seu tribunal viu criminosos serem julgados nele. A verdade é que este sistema judicial, outrora limitado e sombrio, está agora a mudar. Uma nova e inédita onda de julgamentos pode transformar esta realidade, segundo o The Washington Post.
O Vaticano está subitamente a conduzir julgamentos com uma frequência sem precedentes na sua história. O seu primeiro julgamento de abuso sexual terminou na semana passada, absolvendo dois padres — embora tenha sido apresentado recurso da decisão.
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) rejeitou esta terça-feira 24 queixosos que já tinham tentado perante tribunais belgas processar o Vaticano por atos de pedofilia cometidos por padres.
O TEDH invocou em particular “a imunidade” do Vaticano reconhecida pelos “princípios do direito internacional”, dando assim razão à justiça belga, que tinha rejeitado os queixosos de nacionalidade belga, francesa e holandesa e invocado a imunidade da jurisdição do Vaticano.
Agora, o cardeal Angelo Becciu, destituído pelo Papa Francisco em setembro por diversos escândalos financeiros, será julgado, assim com outras nove pessoas, por crimes relacionados com a venda de um edifício em Londres.
Os arguidos são acusados dos crimes de abuso de poder, extorsão, branqueamento de capitais, fraude, falsa escritura pública e privada, violação do sigilo do cargo e peculato.
Embora o julgamento deva arrastar-se durante meses, o simples facto de estar a acontecer já é sinal de progresso para o sistema judicial do Vaticano.
“Agora temos muitas normas e regras que não tínhamos antes”, disse Juan Ignacio Arrieta, secretário do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos, ao jornal norte-americano.
Cada uma das três celas da penitenciária do Vaticano tem a sua própria sanita, além de uma cama de ferro e uma mesa fixada na parede. As janelas têm grades, mas o vidro pode ser aberto. A comida, relata o The Washington Post, é boa.
Paolo Gabriele, antigo mordomo do Papa Bento XVI, foi um dos reclusos que já esteve preso no Vaticano, após se ter descoberto que tinha divulgado documentos confidenciais.
Gabriele esteve numa cela do Vaticano em dois meses da sua sentença de 18 meses, até que Bento XVI o ter perdoado.
O ex-mordomo retratou a vida de prisioneiro do Vaticano como dura. Gabriele diz que durante o julgamento foi colocado numa sala tão pequena que não conseguia esticar totalmente os braços; a luz estava constantemente acesa; e, inicialmente, nem almofada lhe deram.
Nem todos pintam esta imagem da prisão do Vaticano.
“Era uma prisão luxuosa”, disse por sua vez Ambra Giovene, advogada de Gianluigi Torzi, um dos dez acusados no atual julgamento. Outro advogado disse que a experiência do seu cliente foi “muito positiva”.