Em plena época de receção aos caloiros e de praxes académicas, direções de universidades e de institutos politécnicos assim como associações de estudantes de todo o país estão cada vez mais atentas a eventuais abusos.
Em dezembro do ano passado, seis estudantes universitários morreram na praia do Meco, alegadamente vítimas de uma praxe académica, o que lançou o debate sobre comportamentos violentos e levou o Ministério da Educação a, este ano, distribuir folhetos sobre o assunto e a disponibilizar aos alunos um endereço eletrónico onde podem denunciar abusos.
Palco de uma praxe violenta que resultou na morte de um aluno em 2001 e na condenação da academia por alegadamente ter violado o seu dever de vigilância, a Universidade Lusíada de Vila Nova de Famalicão manifesta agora como “principal preocupação desincentivar quaisquer praxes“.
“Ciente das repercussões que as praxes possam causar nos seus estudantes, e considerando o teor das orientações fixadas pelo Governo, a principal preocupação é desincentivar a realização de quaisquer praxes”, refere a Lusíada, em nota enviada à Lusa.
No caso de as praxes existirem, a reitoria apela a que as mesmas assumam “formatos originais de integração dos novos estudantes, tais como ações de solidariedade e de voluntariado“, acrescenta.
No mesmo sentido, a direção Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC) explicou que o caso Meco e as orientações do Ministério da Educação “induzem, ainda mais, a reconduzir as praxes a algo de útil ou de valor, atividades de onde ressalte o valor do bem receber, do respeito, integral pelo outro”.
Já Hélder Malhado, presidente da Federação Académica do IPVC classificou de um “pouco drásticas” as medidas tomadas este ano pelo ministério mas admitiu que “foram tomadas com o objetivo de evitar que situações como as do ano passado e de anos anteriores voltem a acontecer e que derivam de abusos que nem sequer deviam acontecer”.
O presidente do Instituto Politécnico de Bragança (IPB), Sobrinho Teixeira, defende que seria um erro a proibição das praxes e, por isso entende que “há uma evolução positiva” no sentido de se poder dar continuidade às praxes contidas dentro de limites e facultativas.
“Quando a praxe é criativa, os estudantes aderem”, afirmou, considerando que “ajudam muito à integração” no politécnico de Bragança, que tem mais de 90 % de estudantes deslocados.
Em Bragança não mudou nada com os últimos acontecimentos, disse o presidente da Associação Académica do IPB, Ricardo Pinto, sublinhando que “há muitos anos” que nesta academia se faz das praxes um momento de integração, solidariedade e entreajuda.
As “regras” da praxe na Universidade do Minho não se alteram, o “foco” continua a ser “liberdade” de cada um em aderir ou não: “Aqui no Minho sempre tivemos regras e mecanismos de defesa contra abusos mas este ano estamos a apostar mais em ações de sensibilização quer de praxados, quer de praxantes”, apontou à Lusa o presidente da Associação Académica do Minho, Carlos Videira.
Para o reitor da academia, António Cunha, o “importante” é sensibilizar os alunos que “todos têm o direito de participar ou não na praxe e que caso não participem não ficam com qualquer direito académico limitado”.
Diminuir tempo de praxe na UTAD
O reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Fontaínhas Fernandes, quer diminuir o tempo de praxes e a sua intensidade. Este ano, as aulas foram todas concentradas no campus, em Vila Real, estendendo-se o horário escolar até à hora do jantar e, assim, também aumentando o tempo de permanência na universidade o que possibilita uma maior fiscalização e acompanhamento das atividades.
Por sua vez, Pedro Romeu, presidente da Associação Académica da UTAD referiu que há cuidados redobrados em relação ao assunto praxe. A associação está também a trabalhar conjuntamente com o conselho de veteranos na preparação de praxes solidárias e de integração dos novos alunos.
Proibição em Viseu
Em Viseu, o presidente do Instituto Politécnico, Fernando Sebastião, já em 2009 tinha proibido as praxes académicas nos edifícios e espaços envolventes das escolas da instituição, na sequência de notícias de alegados “negócios lucrativos” de membros do Conselho de Viriato com os bares para onde levavam os caloiros.
“Nessa altura proibi as praxes dentro da instituição e os alunos têm cumprido. Os estatutos do instituto também já preveem a possibilidade de penalização no caso de abusos, designadamente praxes académicas. E, neste momento, estamos a divulgar junto das direções das escolas e das associações toda a informação que foi remetida pelo ministério”, referiu Fernando Sebastião.
O presidente da Federação Académica de Viseu (FAV), Mário Coutinho, contou que, na sequência do caso Meco, “houve uma reunião com os órgãos de praxe, para lhes pedir uma maior supervisão”.
O reitor da Universidade do Porto (UP), Sebastião Feyo de Azevedo, disse estar em “total acordo” com as posições do Governo relativamente à distribuição de folhetos sobre praxes académicas e criação de um endereço eletrónico para o qual podem ser denunciados abusos.
Feyo de Azevedo avançou que vai manter a política introduzida pelo anterior reitor de não permitir a realização de praxes no interior das instalações desta Universidade mas lembrou que fora destas “a ação ultrapassa a reitoria” e “é necessária uma forte intervenção da opinião pública”.
A agência Lusa contactou a Federação Académica do Porto que até ao momento não se mostrou disponível para comentar este tema.
Coimbra mantém alerta
“Em Coimbra, não mudou absolutamente nada. Aquilo que o ministério agora defende é há anos a realidade de Coimbra”, afirmou João Luís Jesus, Dux da Universidade de Coimbra (UC), que preside ao Conselho de Veteranos, salientando que no início de 2013 o órgão que regula a praxe fez algumas alterações no sentido de “esclarecer e clarificar” as normas do código da praxe que dizem respeito “a ofensas físicas e psicológicas e aos comportamentos a ter”.
Para o reitor da UC, João Gabriel Silva, o incidente no Meco fez com que “toda a gente ficasse mais alerta“, contudo “não houve grandes alterações” na instituição, sendo as recomendações do Ministério da Educação “coisas que a Universidade de Coimbra” já vinha fazendo.
Bruno Matias, presidente da Associação Académica de Coimbra, considerou que há regulamentação suficiente, apostando a academia numa “maior sensibilização para os limites da praxe” numa instituição “onde não tem havido registo de grandes excessos. O que aconteceu no Meco não é a praxe que acontece em Coimbra”.
O presidente do Instituto Politécnico da Guarda (IPG), Constantino Rei, concorda com as recomendações sobre as práticas de praxes académicas e lembra que há dois anos chegou a suspender as praxes no campus do IPG e na Escola Superior de Saúde devido a “queixas de atividades que não eram dignas”.
O presidente da Associação Académica da Guarda (AAG), Sérgio Machado, assegura que “nos últimos anos não foi reportado qualquer tipo de situação abusiva“, àquele órgão, por isso, no caso do Instituto Politécnico da Guarda as recomendações sobre as práticas de praxes académicas “são desnecessárias”.
O presidente do Instituto Politécnico de Leiria (IP Leiria) considera “pertinente” a preocupação da tutela relativa às praxes académicas, mas não trazem “nada de novo” para a instituição, segundo a qual esta é uma questão que se resolve, em primeiro lugar, “com medidas pedagógicas e com o diálogo com os estudantes”.
Para Rui Constantino, presidente da Associação de Estudantes da Escola Superior de Tecnologia e Gestão, a maior escola do IP Leiria, a praxe é “um momento importante de integração” e no estabelecimento não “tem havido situações preocupantes” neste âmbito.
Na Universidade da Beira Interior, (UBI) Covilhã, a praxe dentro de todas as valências da instituição já é proibida há vários anos e o regulamento interno prevê sanções para quem não respeite as regras, sendo que há cerca de cinco anos um aluno chegou mesmo a ser expulso da instituição por não ter respeitado as regras.
Mesmo assim, a reitoria garante que está “particularmente” atenta à questão e que distribuiu junto dos alunos o folheto com as recomendações do Ministério da Ciência e Ensino Superior, indicando ainda o email do provedor do estudante da UBI para a denúncia de eventuais excessos ou desrespeito pela vontade dos alunos.
Integração na Covilhã
O “respeito pelos alunos, um acolhimento com base na integração”, são tónicas no discurso do presidente da Associação Académica da UBI, Marco Saldanha, que sublinha que este ano a academia de estudantes criou um conjunto de iniciativas que visam “integração saudável” dos novos alunos.
Deste modo, este ano a latada (tradicional festa de receção ao caloiro) terá uma vertente social, ou seja, cada um dos cursos será desafiado a escolher uma instituição de solidariedade que depois apoiará, seja através da recolha de fundos, de alimentos ou de outros apoios que se considerem adequados.
O presidente do Instituto Politécnico de Castelo Branco (IPCB), Carlos Maia, diz que “houve uma reunião de sensibilização com os presidentes das associações de estudantes” e “todos os alunos que ingressaram no primeiro ano, são informados do caráter voluntário da participação na praxe”.
O IPCB disponibiliza ainda apoio jurídico e psicológico para qualquer estudante que tenha sido alvo de práticas abusivas e um endereço de email para onde podem ser denunciadas essas práticas.
O presidente da Federação Académica de Castelo Branco (FACAB), Vasco Sousa, defende, na página do Facebook da federação, que as tradições académicas, “devem servir de veículo para solidificar o companheirismo, promover a boa integração dos colegas e gerar bom ambiente na academia.
No Alentejo, a reitora da Universidade de Évora (UÉ), Ana Maria Costa Freitas, manifestou-se contra “qualquer praxe violenta” e realçou que o caso Meco trouxe “uma preocupação acrescida”, tencionando a academia “adaptar ao regulamento” interno as orientações do Ministério da Educação e Ciência. “Mas não será muito, porque já tínhamos tudo mais ou menos previsto”, disse.
A UÉ criou o email [email protected] para que os novos alunos possam reportar algum problema e, em relação às praxes, não foram realizadas durante as matrículas e estão proibidas nas instalações da universidade, tal como em anos anteriores.
Contactado pela Lusa, o Conselho de Notáveis da UÉ, órgão académico que tem sob sua alçada todas as questões de tradição académica na academia, não forneceu, até hoje, resposta às questões colocadas.
Representantes da presidência, dos estudantes e da comissão de praxes do Instituto Politécnico de Beja (IPBeja) reúnem-se ainda esta semana para definir o que será permitido e proibido e as atividades a realizar nas praxes deste ano letivo, disse à Lusa o presidente da comissão instaladora da Associação Académica do IPBeja, João Raposo.
As recentes recomendações da tutela sobre as práticas de praxes serão “adaptadas” às recomendações em vigor no IPBeja, disse, frisando que “não deverá haver grandes alterações ao que já se faz” no politécnico.
O presidente do Instituto Politécnico de Portalegre (IPP), Joaquim Mourato, assegurou que “foram alertados todos os estudantes para o que pode e não pode acontecer” e que as direções das escolas vão estar atentas para que “qualquer praxe abusiva seja objeto de processo disciplinar”.
Do lado dos alunos, Ricardo Silva, membro da comissão instaladora da recém-constituída associação académica, afirmou que este ano as praxes “vão decorrer com a normalidade dos anos anteriores”.
Direito de recusar
Cada aluno que “decida livremente integrar-se nas atividades de Praxe Académica tem o direito de recusar o seu envolvimento em qualquer prática que considere ofensiva ou indigna, dentro ou fora da instituição”, alertou o reitor da Universidade do Algarve (UAlg), António Branco.
A Associação Académica da UAlg anunciou que vai aproveitar a semana de receção ao caloiro para protestar contra os cortes que vão afetar a instituição em 2015, mas irá também distribuir um folheto aos novos alunos com o endereço eletrónico criado pelo ministério para que as vítimas de abusos nas praxes se possam queixar.
Ivone Portugal, delegada do administrador do Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes (ISMAT) em Portimão, que integra o Grupo Lusófona, referiu que a instituição “está muito atenta às praxes, e acolhe com agrado as recomendações do Ministério da Educação”.
No ISMAT, onde não existe associação de estudantes, “as praxes são moderadas, não havendo registo nem conhecimento de quaisquer casos suscetíveis de maior atenção”.
A agência Lusa contactou também a associação de estudantes e a administração do Campus Académico de Silves, constituído pela Escola Superior de Saúde Jean Piaget do Algarve, que se escusaram a comentar as recomendações do Ministério da Educação sobre as praxes académicas.
Depois de toda a polémica em torno das praxes e para “tranquilizar as famílias“, a reitoria da Universidade da Madeira (UMa), a Associação Académica, o Conselho de Veteranos e o Provedor do Estudante da academia madeirense elaboraram em conjunto um regulamento que estabelece um “quadro de princípios para regular esta atividade”, determinando que os atos praxistas sejam sempre de adesão voluntária, se realizem sob a supervisão de responsáveis e passíveis de queixa em caso de abusos.
O reitor da UMa, José Carmo, já afirmou que “proibir a praxe não resolveria nada”, acrescentando que estas atividades continuariam a realizar-se e apenas “passariam a ser clandestinas”.
Nos Açores, o presidente da Associação Académica da Universidade, Marco Andrade, disse que o caso “Meco” “veio trazer um novo panorama às praxes”, manifestando-se favorável às orientações do ministério.
“O Governo fez muito bem em tomar iniciativas para prevenir abusos e excessos”, afirmou ainda Marco Andrade, acrescentando que no caso da Universidade dos Açores “não têm ocorrido grandes excessos nem abusos nas praxes”, nos últimos anos letivos.
/Lusa
Deve haver muito cuidado com a praxe, para evitar excessos e abusos de alunos mais velhos sobre os caloiros ou aqueles que estão numa escala inferior em relação a quem vai praxar. Apesar de ter envergado a capa e batina em Coimbra ( década de 80 do século XX ) com moderado orgulho e respeito por todos condeno todos aqueles que não sabem respeitar a integridade física e psicológica dos colegas mais novos.
As praxes deveriam ser abolidas. São uma aberração de pessoas adultas com comportamentos de crianças. Quem gosta de mandar, poderá fazê-lo quando tiver filhos ou quando criar uma empresa. Quem gosta de obedecer e tudo fazer, resigne-se ao país que tem e cumpra os seus deveres sem nunca duvidar.
As universidades deveriam, desde o primeiro dia, ser o local de estudo. A história da integração na vida académica, bla bla bla, é um pretexto para as praxes.
Uma necessidade de quem não tem mais nada na vida, quer os que a executam quer os que a sofrem. Isto é, um desvio comportamental para colmatar lacunas interiores. Exerce-se SEMPRE com a humilhação, branda ou dura, do caloiro, da parte mais fraca. É, assim, também uma acto de cobardia, duplo, porque também consentido, por gente que se pretende que fique amedrontada e que, no ano seguinte, já “veterano”, vai reproduzir o que lhe fizeram nos novos fracos que são os novos caloiros. Um vício psicológico colectivo, doentio, para preencher vidas (que acham que são) desinteressantes e que têm medo da solidão social.