O inspetor tributário Paulo Silva expôs, esta quinta-feira, em tribunal, os alegados esquemas a que Ricardo Salgado recorria para desviar dinheiro do Grupo Espírito Santo (GES) em proveito próprio.
O ex-banqueiro de 76 anos começou a ser julgado na terça-feira por três crimes de abuso de confiança, devido a transferências de mais de 10 milhões de euros no âmbito do processo Operação Marquês.
Paulo Silva participou nas investigações do processo e, segundo o jornal Público, descreveu o circuito do dinheiro entre o chamado saco azul do GES, a sociedade ES Enterprises, e outra sociedade offshore controlada por Ricardo Salgado, nomeadamente a Begolino.
“A ES Enterprises tinha um registo contabilístico peculiar”, sublinho o inspetor tributário, explicando que em vez de serem registados como passivos, os empréstimos que recebia de outras firmas eram contabilizados como ativos negativos. Quando estes montantes eram transferidos para outro lado, “o saldo final ficava a zero”.
Ricardo Salgado terá, segundo o inspetor, usado parte desse dinheiro — cerca de 4 milhões de euros — para comprar ações da EDP durante a reprivatização de 2011.
A sociedade ES Enterprises foi responsável pelo pagamento a Hélder Bataglia de 15 milhões de euros a título de honorários, destinados alegadamente a pagar os serviços que este lhe prestou na obtenção de direitos de exploração de petróleo que viessem a ser objeto de concessão, explica o Público.
No entanto, Paulo Silva defende que o contrato de trabalho firmado entre a ES Enterprises e Hélder Bataglia era fictício, servindo apenas de alibi às entradas de dinheiro nas contas bancárias, que era posteriormente remetido para a offshore de Ricardo Salgado.
“A ES Enterprises não tinha quaisquer negócios. Hélder Bataglia estava envolvido na exploração de poços de petróleo mas através da Escom”, disse o inspetor em tribunal.
Por sua vez, Salgado alega que o dinheiro que chegava à offshore via ES Enterprises era um empréstimo pessoal, em que até lhe eram cobrados juros.
O ex-banqueiro propôs devolver o dinheiro de que alegadamente se apropriou em troca de ficar com o cadastro limpo. Contudo, quer fazê-lo à custa do dinheiro e dos bens arrestados noutros processos que correm contra si: o do colapso do BES e o Monte Branco.
Esta quarta-feira, o ex-gestor da fortuna de Helder Bataglia na Suíça disse não se lembrar do porquê do empresário ter mandado transferir 1,5 milhões de euros para uma sociedade de Ricardo Salgado.
Tribunal questiona manuscrito de Salgado
O coletivo de juízes que está a julgar Ricardo Salgado admitiu ser mostrado em tribunal um manuscrito atribuído ao ex-líder do BES e que dá ordem de transferência de 55 milhões de euros, escreve o Observador.
O documento conta com as iniciais “RESS”, mas não foi sujeito a qualquer perícia para provar que, de facto, pertencem ao ex-banqueiro.
“A investigação apontou como este e outros [manuscritos] tendo sido elaborados pelo Ricado Salgado, não só pela escrita, como também dos elementos identificados que só podiam ter sido feitos por ele”, justificou o inspetor Paulo Silva.
Paulo Silva mostrou o documento em tribunal, onde constam várias ordens de transferência que perfazem os 55 milhões de euros.
No entanto, o juiz reparou que o valor depois transferido ascendia os 65 milhões euros: “Então, mas há dinheiro a mais…”, atirou. Por sua vez, o inspetor explicou que “é um erro”, salientando que há “uma reprodução de 10 milhões”.
CMVM condena Salgado a coima de dois milhões
A CMVM condenou cinco ex-administradores executivos do BES, Ricardo Salgado, José Manuel Espírito Santo, Amílcar Morais Pires, Joaquim Goes e Rui Silveira, ao pagamento de coimas com valor total de 3,55 milhões de euros.
De acordo com o jornal Público, em causa estão responsabilidades no processo relativo à colocação do papel comercial da ESI e da Rio Forte aos balcões do banco.
Além de Ricardo Salgado, que foi condenado ao pagamento de 2 milhões de euros, e dos restantes executivos do BES, José Manuel Espírito Santo (750 mil euros), Amílcar Morais Pires (400 mil euros), Joaquim Goes (300 mil euros), Rui Silveira (100 mil euros), também Manuel Fernando Espírito Santo foi condenado a pagar 900 mil euros.
As multas foram atribuídas por falsificação de contas, prestação de informação errada aos investidores sobre as contas da ESI e ainda conflito de interesses de administradores.