Um capitão, que desertou do exército birmanês para se juntar ao movimento de oposição ao golpe militar de fevereiro, acusou a junta militar de reter familiares de soldados para impedir deserções.
Lin Htet Aung, que desertou em março, disse que a junta militar, no poder na sequência do golpe de Estado de 01 de fevereiro, mantém “sequestrados” famílias dos soldados que vivem em quartéis para evitar quaisquer fugas, publicou o portal de notícias Myanmar Now, citado pela agência Lusa na quarta-feira.
O rebelde afirmou que 75% dos soldados estariam dispostos a desertar, caso as famílias não estivessem “retidas”. “Aqueles que vivem em complexos militares foram basicamente raptados. Utilizam as famílias dos soldados para os controlar, para que não possam agir livremente. Se um soldado quiser fugir, tem de levar a família com ele”, acusou.
De acordo com o mesmo testemunho, muitos soldados são contra os crimes ordenados pela junta militar durante a brutal repressão dos protestos pró-democracia, que já causaram pelo menos 714 mortos, segundo a Associação de Assistência aos Presos Políticos (AAPP).
A AAPP denunciou também detenções arbitrárias, de mais de três mil pessoas, e torturas a que muitos dos detidos foram submetidos.
Os soldados “sabem que não é justo, mas têm de tomar conta das suas famílias. Estão conscientes da injustiça e estou certo de que se sentem desconfortáveis com ela. E, no entanto, têm que fechar os olhos”, acrescentou.
Apesar da intimidação e da repressão violenta, as manifestações continuam a decorrer em todo o país. Na quarta-feira, centenas de estudantes marcharam em Mandalay, a segunda cidade mais populosa de Myanmar (antiga Birmânia), e atiraram tinta vermelha sobre o asfalto para denunciar o assassínio de manifestantes pacíficos pela junta militar.
O exército justificou o golpe de Estado com uma alegada fraude nas eleições de novembro, em que o partido da ex-líder civil Aung San Suu Kyi, de 75 anos, venceu, e que foram consideradas legítimas pelos observadores internacionais. Prémio Nobel da Paz em 1991, foi afastada do poder e está em prisão domiciliária em Naypyidaw desde o golpe militar.
Protesto de profissionais da saúde termina com tiros
Segundo o portal Mizzima News, citado esta quinta-feira pela Lusa, dezenas de trabalhadores da saúde reuniram-se em Mandalay para protestar contra a junta militar, mas as forças de segurança dispersaram, abrindo fogo e ferindo várias pessoas. Também o portal Khit Thit Media indicou que 20 dos manifestantes foram detidos.
Desconhece-se ainda o número de possíveis mortos ou números exatos sobre feridos, num contexto de opacidade de informação, devido aos cortes diários do sinal da Internet e às dificuldades dos poucos meios digitais independentes que ainda estão ativos.
Myanmar celebra o Ano Novo Budista desde terça-feira, mas as celebrações tradicionais foram suspensas em muitos lugares e os protestos em diferentes partes do país estão a encher as ruas.
A brutalidade das forças de segurança provocou severas críticas e sanções por parte da União Europeia e de países como os Estados Unidos, o Reino Unido e o Canadá, embora a comunidade internacional não tenha conseguido chegar a acordo sobre ações comuns, tais como um embargo de armas.
// Lusa