A primeira tentativa de desencalhar o porta-contentores de 400 metros de comprimento que bloqueia há quatro dias o Canal de Suez fracassou esta sexta-feira, o que mantém a crucial rota comercial bloqueada, afetando o intercâmbio marítimo entre Ásia e Europa.
A operação “fracassou”, reconheceu a BSM – Bernhard Schulte Shipmanagement, empresa marítima encarregada da gestão técnica do navio. A empresa informou que “dois rebocadores adicionais de 220 a 240 toneladas” chegariam antes de 28 de março para reforçar as manobras.
Rebocadores e dragas fizeram todo o possível para desencalhar o porta-contentores que há quatro dias bloqueia esta rota comercial chave entre Ásia e Europa.
A empresa responsável pela operação de “resgate” do cargueiro “Ever Given”, a holandesa Smit Salvage, afirmou que podem ser necessários “dias ou até semanas” até que se possa retomar o trânsito pelo canal, por onde circula 10% do comércio marítimo internacional.
O incidente, que aconteceu na terça-feira devido provavelmente a ventos violentos combinados com uma tempestade de areia, provocou grandes engarrafamentos no canal.
Segundo a revista especializada Lloyd’s List, quase 200 embarcações estão bloqueadas nas duas extremidades e na zona de espera situada a meio do canal. O problema causou grandes atrasos nas entregas de petróleo e de outros produtos.
A gigante do transporte marítimo Maersk e a alemã Hapag-Lloyd informaram que estudaram a possibilidade de desviar os seus navios e passar pelo Cabo da Boa Esperança, um desvio de 10 dias adicionais de viagem à volta do continente africano.
O canal do Suez é um canal artificial que liga o Mar Vermelho, no extremo oriente, ao Mar Mediterrâneo, com fulcral importância no comércio mundial por evitar que as embarcações tenham que circundar todo o continente africano na viagem entre a Europa e o Oriente. A viagem fica 7.000 km mais curta.
Construído ao longo de 10 anos em território egípcio por um consórcio internacional, a Compagnie Universelle du Canal Maritime de Suez, o canal tem 193 km de comprimento e 8m de profundidade, sem comportas. Foi inaugurado em 1869.
O canal é gerido pela SCA, Autoridade do Canal de Suez, entidade egípcia que assegura a sua gestão e manutenção. Ao abrigo de tratados internacionais, o canal pode ser usado “em tempo de guerra como em tempo de paz, por qualquer veículo de comércio ou de guerra, sem distinção de bandeira”.
“Dias ou semanas” de espera
Desde quarta-feira que SCA tenta desencalhar o cargueiro, de mais de 220.000 toneladas. “Estão a usar rebocadores e dragas para romper as rochas e tentar liberar a embarcação”, afirmou à AFP uma fonte da empresa japonesa Shoei Kisen Kaisha, proprietária do navio.
Será necessário retirar entre 15.000 e 20.000 metros cúbicos de areia para chegar a entre 12 e 16 metros de profundidade, o que permitirá trazer novamente à tona o colossal porta-contentores.
Uma maré alta esperada para o início da próxima semana pode ajudar as equipas técnicas. O Egito recebeu várias ofertas de ajuda internacional, entre as quais uma da Turquia, que se propôs enviar um grande rebocador, e dos Estados Unidos, que ofereceu o envio de uma equipa de especialistas da Marinha.
Mohab Mamish, assessor para o setor portuário do presidente egípcio, Abdel Fatah al Sissi, afirmou na quinta-feira à AFP que o trânsito seria retomado “em 48 ou 72 horas no máximo”.
“Tenho experiência em várias operações de resgate deste tipo e, como ex-presidente da Autoridade do Canal de Suez, conheço cada centímetro do canal“, disse Mamish, que supervisionou a recente ampliação da via marítima, muito movimentada.
Mas algumas horas antes, a empresa holandesa Smit Salvage tinha advertido que a operação poderia demorar “dias ou até semanas”.
A empresa que explora o navio, Evergreen Marine Corp, com sede em Taiwan, encomendou à Smit Salvage e à empresa japonesa Nippon Salvage um “plano mais eficaz” para desencalhar o navio. Os primeiros especialistas chegaram esta quinta-feira.
A Smit Salvage já participou em grandes operações de resgate, como o submarino nuclear russo Kursk e o cruzeiro italiano Costa Concordia.
Incidentes “raros”
Em 2014, dois navios porta-contentores colidiram no canal do Suez. O acidente terá ficado a dever-se a problemas técnicos num dos navios, que terá perdido controle do leme.
Não houve na altura vítimas a lamentar, tendo-se registado apenas a perda de três contentores de uma das embarcações, o Colombo Express, que caíram à água, e um atraso de três horas no trânsito da via.
Segundo a SCA, quase 19.000 navios atravessaram o canal em 2020, uma média superior a 51 por dia.
Um relatório da Allianz Global Corporate & Specialty sobre segurança marítima aponta que o “Canal de Suez apresenta um excelente balanço de segurança no seu conjunto, e os incidentes de navegação são extremamente raros, com 75 incidentes na última década”.
Segundo a jornalista britânica Rose George, autora de um livro sobre transporte marítimo, o trânsito marítimo “fornece 90% de tudo o que precisamos e por isso somos fundamentalmente dependentes dele”.
A autora afirma também que “mais de dois terços dos acidentes marítimos são provocados por erros humanos“.
Um responsável da diplomacia russa considerou entretanto esta sexta-feira que o bloqueio do Canal de Suez mostra a necessidade de fortalecer o trajeto marítimo no Ártico russo.
ZAP // AFP