O advogado Aníbal Pinto disse esta terça-feira em tribunal que iria revelar a identidade de Rui Pinto quando assinasse o contrato de prestação de serviços de informática entre o hacker e a Doyen.
Segundo noticiou o Observador, para o Ministério Público (MP), este contrato era uma tentativa de extorsão em que a Doyen iria pagar a Rui Pinto para que este não publicasse documentos comprometedores que tinha reunido. Esta terça-feira decorre a segunda sessão do julgamento do ‘Football Leaks’, no qual Aníbal Pinto é segundo arguido.
“Acho que sou a ‘cola’ neste processo, que foi necessário para manterem Rui Pinto. Cá estou eu a cumprir a minha obrigação como cidadão, mas sempre com a honra e a dignidade de saber e ter a consciência limpa enquanto advogado e na qualidade de advogado. Os advogados têm de morrer com os clientes e têm de cumprir a lei”, afirmou, à entrada da segunda sessão do julgamento, no Campus da Justiça, em Lisboa.
Na primeira sessão, Aníbal Pinto falou perante o coletivo de juízes, presidido por Margarida Alves, durante a parte da manhã e toda a sessão da tarde, sendo hoje novamente ouvido.
“Não tem dificuldade nenhuma dizer aquilo que é verdade. O tribunal vai, finalmente, decidir e esclarecer tudo, se há crimes, se não há crimes. Por mim, estou absolutamente tranquilo”, garantiu, dizendo ser “absolutamente evidente” que se trata de um contrato de trabalho para contratar Rui Pinto, ao invés de uma tentativa de extorsão, como alega a acusação.
Explicando terem existido “muitos sinais vermelhos” de que algo não era lícito, Aníbal Pinto realçou “um sinal absolutamente verde, que era a existência de um colega e de um advogado”.
“Os advogados têm de confiar nos advogados, têm de ser leais com toda a gente. Há pessoas que têm de entender que há advogados que não têm preço, que nunca denunciam os clientes, que nunca violam a sua conduta e deontologia”, frisou.
Aníbal Pinto: Ideia de criar offshore partiu de Rui Pinto
O advogado foi confrontado pela representante legal do fundo de investimento, Sofia Branco Ribeiro, sobre quem teve a ideia de criar uma sociedade ‘offshore’ para o contrato de prestação de serviços na área informática.
“Foi Rui Pinto”, confirmou Aníbal Pinto, que estava a negociar pelo seu então cliente sob anonimato, acrescentando que “iria revelar [a identidade de Rui Pinto] quando fosse para assinar o contrato”.
A presidente do coletivo de juízes, Margarida Alves, interrogou então o arguido se achava normal uma empresa querer contratar alguém que não conhecia, ao que Aníbal Pinto respondeu: “Os advogados não têm de achar se é ou não normal. Têm de saber se é ou não legal”.
De acordo com a acusação, Aníbal Pinto pretendia ajudar Rui Pinto a chantagear a Doyen, entidade à qual Rui Pinto terá exigido entre meio milhão e um milhão de euros para não publicar na plataforma Football Leaks informação confidencial relacionada com contratos de jogadores.
Paralelamente, o MP argumentou que Rui Pinto já tinha conhecimento de que a Polícia Judiciária (PJ) estava a investigar a situação antes do encontro na estação de serviço da autoestrada A5, em Oeiras, em 22 de outubro de 2015, entre Nélio Lucas, o advogado Pedro Henriques e Aníbal Pinto, no qual o então representante da Doyen terá oferecido dinheiro para saber a identidade do seu cliente.
Segundo o MP, a PJ enviou um e-mail em 16 de outubro à Yandex LLC (servidor de internet russo), a pedir informações, e no dia seguinte houve uma troca de e-mails, em que o criador da plataforma teria indicado que já estava a par das diligências da PJ.
“Se soubesse que um colega de profissão [o advogado Pedro Henriques] estava a montar uma armadilha, não iria para não perder tempo. Achei estranho, nunca acreditei que Pedro Henriques me enganasse, mas ele é que disse que era ‘vital’ que eu fosse”, explicou Aníbal Pinto, que disse “nunca” ter visto o ofício da PJ e sublinhou: “Quer a PJ, quer Nélio Lucas, sabem que fui lá para negociar o contrato de prestação de serviços”.
Aníbal Pinto garantiu ainda que Rui Pinto “nunca deu a entender que estava a brincar” sobre a real vontade de assinar o contrato com a Doyen e que explicou que o fundo de investimento “queria contratá-lo” para ajudar na área informática.
Sobre a entrada nos servidores da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), em que relatou na sessão anterior que Nélio Lucas lhe perguntou se o seu cliente conseguiria aceder, Aníbal Pinto vincou que “se ele [Rui Pinto] viesse a entrar, seria obviamente uma ilegalidade” e frisou ter dito ao criador da plataforma que “se Nélio Lucas o quisesse contratar para entrar na FPF, que arranjasse outro advogado”.
MP pede exibição dos conteúdos dos discos rígidos
O Ministério Público (MP) pediu hoje a exibição dos conteúdos originais dos dispositivos informáticos apreendidos a Rui Pinto num requerimento formalizado na segunda sessão do julgamento.
Perante esta pretensão, Margarida Alves concedeu um prazo de cinco dias para os assistentes no processo se pronunciarem.
A procuradora do MP, Marta Viegas, justificou a apresentação do requerimento por entender ser “imprescindível” em “futuras sessões” do julgamento a exibição dos “originais dos objetos apreendidos”.
“Nunca foram trabalhados, nem seria possível. Tudo o que foi feito, foi baseado em cópias para não adulterar o original”, argumentou.
Rui Pinto responde por 68 crimes de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen. Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do DCIAP Amadeu Guerra ou o advogado José Miguel Júdice.
Aníbal Pinto responde pelo crime de tentativa de extorsão. Rui Pinto terá exigido à Doyen um pagamento entre 500 mil e um milhão de euros para que não publicasse documentos, tendo o advogado alegadamente servido como seu intermediário.