Depois de 1.664 dias no Governo, Mário Centeno revelou que a decisão de sair “foi construída juntamente com o primeiro-ministro”, com quem manteve uma relação “tensa, mas saudavelmente tensa”.
A decisão de sair do Governo “foi construída ao longo do tempo, juntamente com o primeiro-ministro, num contexto de grande responsabilidade”, assumiu Mário Centeno, numa entrevista à RTP, revelando as pontas do véu do processo de tomada de decisão de saída do Governo.
“Não há motivo, é apenas um ciclo. É o fim de um ciclo, era o fim do mandado no Eurogrupo”, justificou o ainda ministro das Finanças, que contou 1.664 dias no Governo e 912 dias à frente do Eurogrupo.
Sobre as relações com António Costa, admitiu que “todas as leituras que têm sido feitas da minha relação com o primeiro-ministro” não são verdadeiras. “Não houve nenhuma deterioração da minha relação com o primeiro-ministro, não podia haver nem seria sério. Ficaria surpreendido ou desgostoso da possibilidade de eu poder exercer o meu cargo sem uma relação transparente com o primeiro-ministro. Isso nunca esteve em causa.”
Quer do ponto de vista político, quer do ponto de vista pessoal, “nada mudou”. A relação é “franca e leal”, assumiu Mário Centeno, acrescentando que é normal que entre o ministro das Finanças e o primeiro-ministro haja uma “relação tensa, saudavelmente tensa“.
Já sobre as relações com o Presidente da República, nomeadamente sobre o pedido de “clarificação” que Marcelo fez ao primeiro-ministro sobre a polémica por causa da transferência de 850 milhões de euros para o Novo Banco, Centeno recusou sentir-se incomodado. “Eu não tenho que me sentir incomodado com as declarações do Presidente da República.”
Banco de Portugal? “Ser governante não é cadastro”
Durante a entrevista, Mário Centeno afastou ambições políticas “neste momento”, mas não fez o mesmo em relação ao Banco de Portugal, tendo até admitido que já discutiu o assunto com António Costa. “Falamos sobre essa matéria“, mas a competência agora é do Governo e do próximo ministro da Finanças, João Leão.
“Sou funcionário do Banco de Portugal. Voltarei. Essa decisão [de ser governador] compete ao próximo ministro das Finanças e ao primeiro-ministro.”
Confrontado com a questão de uma eventual incompatibilidade por ter sido ministro das Finanças, Centeno respondeu que “ser governante não é cadastro“. O ainda ministro diz ter uma visão diferente do que é a independência dos cargos e lembra que “não há nenhuma país que conheça que tenha essas incompatibilidades” inscritas em lei.
Tendo sido ministro da Finanças e presidente do Eurogrupo, “qual é o cargo que me reservam sem incompatibilidades” vistas nesse quadro?, questionou Mário Centeno.
Sobre se deseja assumir o cargo de governador do Banco de Portugal, respondeu apenas que é uma função que “qualquer economista pode gostar de desempenhar“.
Mário Centeno anunciou, na terça-feira, que iria abandonar o Governo depois de “1.664 dias como ministro das Finanças”. O lugar de Centeno será assumido por João Leão, atual secretário de Estado do Orçamento. A tomada de posse está marcada para esta segunda-feira, às 10h00 no Palácio de Belém.
O adeus ao Eurogrupo
Esta quinta-feira, Mário Centeno publicou um vídeo no Twitter no qual anuncia um “novo ciclo no Eurogrupo”, primeiro na liderança e depois nas políticas.
Sobre a liderança, Centeno disse que vai “informar hoje os ministros das Finanças do processo para eleger um novo presidente do Eurogrupo. Vou lançar o processo de candidaturas e o meu nome não vai estar nessa lista”.
“Depois de uma ponderação cuidada, decidi não me recandidatar. O meu mandato termina a 12 de julho e, a partir desse dia, vai haver um novo presidente do Eurogrupo”, referiu.
Em relação ao novo ciclo nas políticas do Eurogrupo, Centeno fez um balanço da obra feita ao longo de mais de 900 dias neste cargo. O Eurogrupo “conseguiu chegar a acordo para uma rede de segurança de 540 mil milhões de euros, para os trabalhadores, empresas e países poderem lidar com a fase de emergência desta crise” provocada pela pandemia de covid-19.
No dia 9 de abril, lançámos as bases e os princípios de um novo Fundo de Recuperação, que teve tradução prática nas propostas da Alemanha/França e da própria Comissão Europeia”, lembrou ainda.
“Agora precisamente aferir as necessidades de investimento, complementar os planos de recuperação dos países da União Europeia, e proteger o euro de estratégias divergentes”, concluiu Mário Centeno na despedida.
Para o lugar de Centeno, há três potenciais candidatos na calha: a ministra da Economia e Finanças de Espanha, Nadia Calviño; o ministro das Finanças da Irlanda, Paschal Donohoe, derrotado por Centeno em 2017; e o ministro das Finanças do Luxemburgo, Pierre Gramegna.
Segundo o ECO, há ainda outros nomes menos consensuais, como o ministro das Finanças francês, Bruno Le Maire.
Good ridance.
Para onde irà mamar, agora?