Uma lei de cidadania, aprovada pelo Parlamento da Índia na semana passada e que abre as portas a grupos específicos de imigrantes sem documentos, levou milhares de pessoas a protestar nas ruas e nas universidades. Em cinco dias de manifestações, já morreram seis e mais de 100 ficaram feridas.
Com a nova lei, os imigrantes sem documentos que fazem parte de seis minorias religiosas – hindus, budistas, jainistas, cristãos, sikhs e parsis – no Paquistão, Afeganistão e Bangladesh, vão poder requisitar a nacionalidade indiana e tornarem-se cidadãos de pleno direito por serem vítimas de perseguição nos países de origem, noticiou o Público.
Esta nova lei, em conjunto com o registo de cidadãos no estado indiano de Assam, na fronteira com o Bangladesh, “pode vir a transformar a Índia num regime maioritário com diferentes graus para os direitos dos cidadãos”, disse à BBC a socióloga Niraja Gopal Jayal.
Este cenário, no entanto, poderia ir contra os princípios da Constituição indiana, que proíbe a discriminação religiosa e garante a igualdade de todos os cidadãos perante a lei.
No Twitter, o primeiro-ministro Narendra Modi disse que a lei “não afeta nenhum cidadão da Índia de nenhuma religião”. “Nenhum indiano deve ficar preocupado com esta lei. A lei destina-se apenas a quem foi vítima de perseguição no estrangeiro e não tem outro sítio onde se refugiar a não ser a Índia”, declarou, apelando à “paz, união e irmandade”.
Já Rahul Gandhi, seu adversário nas eleições deste ano, sublinhou que tanto a lei como o registo de cidadãos são “armas de polarização em massa libertadas por fascistas”. “A melhor defesa contra estas armas sujas é a resistência pacífica, não violenta. Estou solidário com todos os que protestam pacificamente contra”, escreveu no Twitter.
Para os críticos, se o objetivo da nova lei é apenas dar abrigo a populações perseguidas, devia também permitir a naturalização de membros de minorias religiosas muçulmanas, como os ahmadis no Paquistão ou os rohingyas na Birmânia.
De acordo com o Público, o apelo de Narendra Modi à calma surge depois de protestos violentos em várias universidades do país, na segunda-feira, contra a nova lei e contra a intervenção da polícia na universidade Jamia Millia Islamia, em Nova Deli, no domingo.
A vice-reitora da universidade, Najma Akhtar, condenou o uso de gás lacrimogéneo pela polícia e repetiu a denúncia de que os agentes bateram em estudantes escondidos nas casas de banho. Numa conferência de imprensa, anunciou que a universidade vai apresentar queixa na Justiça e já exigiu um “inquérito rigoroso”.
A polícia indiana, por seu lado, negou ter disparado sobre manifestantes que se concentraram no domingo na Universidade Jamia Millia Islamia, revelou o Expresso. Pelo menos três pessoas dizem ter sido baleadas, mas a polícia afirma que os ferimentos foram causados por latas partidas de gás lacrimogéneo.
Receio de “invasão”
Também as populações do estado de Assam, na fronteira com o Bangladesh, saíram às ruas para se manifestar contra a mesma lei, com receio de serem “invadidos” por imigrantes não-muçulmanos de Bangladesh.
A nova lei tem uma dimensão ainda maior em Assam por causa do Registo Nacional de Cidadãos, apoiado pelo primeiro-ministro e exigido pela maioria da população há décadas. Devido ao registo, quase dois milhões de pessoas foram privadas da nacionalidade indiana numa operação para identificar quem nasceu nesse estado e quem nasceu em Bangladesh.
Porém, o partido de Narendra Modi recuou no apoio a esse registo, motivando a fúria da maioria hindu, quando se soube que dezenas de milhares de hindus bengalis podiam também ficar privados da nacionalidade indiana.