A bailarina e coreógrafa portuguesa Águeda Sena morreu no domingo, aos 92 anos, vítima de cancro, disse hoje à agência Lusa o biógrafo e amigo da artista António Laginha.
Maria do Céu Águeda Camacho de Sena Faria (Águeda Sena), que nasceu em 16 de junho de 1927, em Lisboa, morreu no domingo à noite, no Hospital de Cascais, “vítima de doença oncológica prolongada”.
Numa entrevista à Lusa, em 2006, a bailarina, coreógrafa, atriz e professora Águeda Sena contou que sempre se interessou não só pela dança e pelo teatro, mas pelas artes em geral, um gosto incutido pela mãe boliviana, Celsa Camacho Quiroga, e pelo pai, o pedagogo, escritor e professor catedrático António Faria de Vasconcelos.
O primeiro contacto com a dança deu-se aos quatro anos, através da ginástica rítmica, com a professora grega radicada em Portugal Sosso Dukas Schau, e foi com ela que pisou um palco pela primeira vez, o do Teatro Nacional D. Maria II, aos cinco anos, com um solo sobre música de Mozart.
Em 1939, Águeda Sena começou a estudar dança clássica com a pioneira do ensino da dança em Portugal, a professora Margarida de Abreu, tendo, mais tarde, passado a fazer parte do seu Círculo de Iniciação Coreográfica (CIC).
Participou como intérprete em diversos espetáculos da escola e do corpo de baile do CIC e em óperas, no Teatro Nacional de São Carlos e no Coliseu dos Recreios, e, em 1948, terminou o curso de dança do Conservatório Nacional.
Águeda Sena fez várias viagens a Paris na qualidade de bolseira do Instituto da Alta Cultura(entre 1948 e 1953), tendo estudado dança clássica e foi aqui que teve contacto com a dança moderna pela primeira vez com Leonard Lenwood.
Em França, onde um dia pisou o mesmo palco que Edith Piaf, Águeda Sena frequentou o curso de pedagogia da Sorbonne, um de História das Artes no Museu do Louvre e estabeleceu contactos com artistas do teatro francês.
De regresso a Portugal, participou, juntamente com Fernando Lima – com quem mais tarde viria a casar – e Anna Mascolo nas tardes de Ballet no Teatro Monumental, em Lisboa, sob a direção de Margarida de Abreu.
Em 1955 estreou no cinema Império o espetáculo “Em nossas Torres de Marfim”, a primeira coreografia de dança moderna a ser apresentada em Portugal.
Águeda Sena esteve envolvida com várias estruturas artísticas, tendo fundado com Fernando Lima a primeira companhia independente em Portugal, o Ballet-Concerto, que era subsidiada pela Fundação Calouste Gulbenkian.
A coreógrafa dançou como primeira figura no grupo Dançares e Cantares de Portugal/Bailados Portugueses de Fernando Lima, os Ballets de Lisboa, Bailados Verde Gaio, Grupo Experimental de Bailado e, em 1964, fundou e dirigiu a companhia Ballet Teatro.
Da sua extensa atividade artística pontuam trabalho em companhias de renome internacional, no teatro e no cinema. Na RTP desenvolveu atividades em alguns programas de televisão, tendo participado com Fernando Lima no programa inaugural dos Estúdios do Lumiar, no “Auto do Vaqueiro”.
“Chopiniana”, “Tito e Berenice”, “Prelúdio”, “Sylphides”, “Pastoral”, “O Crime da Aldeia Velha”, “A Severa” e “Macbeth, homenagem a William Shakespeare” são alguns dos trabalhos em que Águeda Sena esteve envolvida, quer como bailarina quer como coreógrafa.
Cada vez mais absorvida com a coreografia e o ensino da dança (na Escola Superior de Teatro), foi progressivamente deixando de se apresentar em palco como bailarina, iniciando uma carreira de atriz que adiara durante muitos anos.
A partir da década de setenta, Águeda Sena começou a envolver-se com maior intensidade com o trabalho de atriz e encenadora colaborando, entre outros, com o Teatro Experimental de Cascais.
Participou também como atriz em vários filmes portugueses como “Tráfico”, de João Botelho, e “Mal”, de Seixas Santos. A partir de 2000 empenhou-se na edição e encenação de obras de seu pai, designadamente o monólogo “Espírito de Combate e o Valor da Vida” assim como “A Dor”.
Ao longo da carreira recebeu várias distinções, entre as quais o Prémio da Casa de Imprensa de melhor coreógrafa, em 1962 e 1967, o prémio de Melhor Espetáculo da Expo70 em Osaka, no Japão, e a Medalha de Mérito Cultural, Grau Ouro, de Oeiras, em 1990.
Em 1994, foi agraciada com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.
Na entrevista à Lusa em 2006, Águeda Sena criticou a forma como são tratados os artistas que muito deram ao país e que “hoje caíram no esquecimento”. Na altura, com “quase 79 anos”, já “‘arqueológica’”, mas “ativa e com projetos para estrear”, Águeda Sena lamentou “não ter apoios nem espaço para os apresentar”.
Sublinhou que infelizmente Portugal “é um país um bocado necrófilo. Só quando as pessoas morrem lhes é dado mérito”.
“Há um poema do Reynaldo Ferreira, o famoso repórter X, de que eu gosto muito e que diz que a receita para se fazer um herói em Portugal é: Serve-se morto!”, contou a coreógrafa.
O funeral de Águeda Sena, de acordo com o biógrafo e amigo António Laginha, está marcado para quinta-feira, às 12:00, no cemitério de Alcabideche, em Cascais. O velório, na Igreja de Santo António do Estoril, também no concelho de Cascais, tem início na quarta-feira durante a tarde.
// Lusa