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Observado e medido o mais raro processo de decaimento

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Projeto XENON

A experiência subterrânea XENON. À esquerda está o tanque com um poster que mostra o seu interior. À direita está uma área com três andares que serve de manutenção.

O Universo tem quase 14 mil milhões de anos. Um período de tempo inconcebível pelos padrões humanos – mas comparado com alguns processos físicos, é apenas um momento. Existem núcleos radioativos que decaem em escalas de tempo muito maiores.

Usando o detetor XENON1T no Laboratório Nacional Gran Sasso do INFN (Istituto Nazionale di Fisica Nucleare, Itália), os cientistas foram capazes de observar pela primeira vez o decaimento dos núcleos atómicos Xénon-124.

A meia-vida de um processo é o tempo após o qual metade dos núcleos radioativos presentes numa amostra decai. A meia-vida medida para o Xénon-124 é cerca um bilião de vezes maior do que a idade do Universo. Isto faz com que o decaimento radioativo observado, a chamada dupla captura de eletrões do Xénon-124, seja o processo mais raro alguma vez observado num detetor.

“O facto de que conseguimos observar este processo demonstra diretamente quão poderoso é o nosso método de deteção – também para sinais que não são de matéria escura,” disse o professor Christian Weinheimer da Universidade de Münster (Alemanha) cujo grupo lidera o estudo. Além disso, o novo resultado fornece informações para futuras investigações sobre os neutrinos, a mais leve de todas as partículas elementares cuja natureza ainda não é totalmente compreendida.

O XENON1T é um projeto experimental conjunto de cerca de 160 cientistas da Europa, dos EUA e do Médio Oriente. Os resultados foram publicados na revista científica Nature.

Um detetor sensível de matéria escura

O Laboratório Gran Sasso do INFN na Itália, onde os cientistas estão à procura de partículas de matéria escura, está localizado a cerca de 1400 metros abaixo do maciço de Gran Sasso, bem protegido dos raios cósmicos que podem produzir sinais falsos. Considerações teóricas preveem que a matéria escura deverá “colidir” muito raramente com os átomos do detetor.

Esta suposição é fundamental para o princípio do funcionamento do detetor XENON1T: a sua parte central consiste de um tanque cilíndrico com aproximadamente 1 metro de comprimento preenchido com 3200 kg de xénon líquido a uma temperatura de -95º C.

Quando uma partícula de matéria escura interage com um átomo de xénon, transfere energia para o núcleo atómico que, posteriormente, excita outros átomos de xénon. Isto leva à emissão de sinais fracos de radiação ultravioleta que são detetados por meio de sensores de luz sensíveis localizados nas partes superiores e inferiores do cilindro. Os mesmos sensores também detetam uma quantidade minúscula de carga elétrica libertada pelo processo de colisão.

O novo estudo, cujos resultados foram esta semana publicados na revista científica Nature, mostra que o detetor XENON1T é também capaz de medir outros fenómenos físicos raros, como a dupla captura de eletrões. Para entender este processo, temos que saber que um núcleo atómico normalmente é composto por protões (carregados positivamente) e neutrões (neutros), rodeados por várias camadas atómicas ocupadas por eletrões (carregados negativamente).

O Xénon-124, por exemplo, tem 54 protões e 70 neutrões. Na dupla captura de eletrões, dois protões no núcleo “capturam” simultaneamente dois eletrões da camada mais interna da concha atómica, transformam-se em dois neutrões e emitem dois neutrinos.

Os outros eletrões atómicos reorganizam-se para preencher as duas lacunas na concha mais interna. A energia libertada neste processo é transportada por raios-X e pelos chamados eletrões Auger. No entanto, estes sinais são muito difíceis de detetar, já que a dupla captura de eletrões é um processo muito raro, escondido por sinais da radioatividade natural omnipresente.

A medição

Foi assim que a colaboração XENON conseguiu esta medição: os raios-X da dupla captura de eletrões no xénon líquido produziu um sinal inicial de luz, bem como eletrões livres. Os eletrões moveram-se para a parte superior cheia de gás do detetor, onde geraram um segundo sinal de luz. A diferença de tempo entre os dois sinais corresponde ao tempo que os eletrões levam para chegar ao topo do detetor.

Os cientistas usaram este intervalo e a informação fornecida pelos sensores que medem os sinais para reconstruir a posição da dupla captura de eletrões. A energia libertada no decaimento foi derivada da força dos dois sinais.

Todos os sinais do detetor foram registados ao longo de um período de mais de um ano, no entanto, sem olhar para todos uma vez que a experiência foi realizada de maneira “cega”. Isto significa que os cientistas não podiam aceder aos dados na região energética de interesse até que a análise terminasse para garantir que as expetativas pessoais não distorciam o resultado do estudo.

Graças à compreensão detalhada de todas as fontes relevantes de sinais de fundo, ficou claro que 126 eventos observados nos dados foram, de facto, provocados pela dupla captura de eletrões do Xénon-124. Usando esta medição sem precedentes, os físicos calcularam a meia-vida extremamente longa de 1,8×10^22 anos para o processo. Este é o processo mais lento alguma vez medido diretamente.

Sabe-se que o átomo Telúrio-128 decai com uma meia-vida ainda mais longa, no entanto o seu decaimento nunca foi observado diretamente e a meia-vida foi inferida indiretamente de outro processo. Os novos resultados mostram como o detetor XENON1T pode detetar processos raros e rejeitar sinais de fundo. Enquanto dois neutrinos são emitidos no processo de dupla captura de eletrões, os cientistas podem agora também procurar a chamada dupla captura de eletrões sem neutrinos, o que poderia esclarecer questões importantes sobre a natureza dos neutrinos.

O XENON1T obteve dados entre 2016 e dezembro de 2018, depois desativado. Os cientistas estão atualmente a atualizar a experiência para a nova fase “XENONnT”, que contará com uma massa de deteção ativa três vezes maior. Juntamente com um nível de fundo reduzido, isto aumentará a sensibilidade do detetor uma ordem de grandeza.

// CCVAlg

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