Uma brasileira deu à luz uma menina depois de receber um transplante de um útero de uma dadora que morreu. Trata-se do primeiro caso bem sucedido neste tipo de procedimento.
Em setembro de 2016, uma paciente de 32 anos que nasceu sem útero fez um transplante de útero de uma pessoa morta. Sete meses após a cirurgia, a mulher engravidou por inseminação. O parto ocorreu em dezembro de 2017, por cesariana, e o útero foi retirado nessa mesma cirurgia.
A criança nasceu saudável e está a desenvolver-se de forma normal. Até agora, estes transplantes só tiveram sucesso com úteros de dadoras vivas.
Dani Ejzenberg, ginecologista que dirigiu a equipa médica da Universidade de São Paulo, escreveu agora sobre este caso na revista Lancet, sublinhando que este se trata de um importante avanço médico.
A verdade é que este não é o primeiro transplante de uma dadora morta, mas, até ao momento, nenhum tinha resultado num nado vivo. “Até ao momento, o nosso caso é o único do mundo a utilizar útero de doadora falecida e conseguir um nascimento. Tivemos oito nascimentos na Suécia e um nos Estados Unidos de úteros transplantados de doadoras vivas”, afirmou Ejzenberg, numa entrevista citada pelo Diário de Notícias.
O transplante de um útero de uma dadora morta traz algumas vantagens, explicou a equipa. “Com uma dadora morta, reduz-se o risco porque não há risco para a dadora, e reduzem-se também os custos porque não é preciso o internamento e a longa cirurgia para a dadora.” Além disso, “encontrar uma dadora viva pode ser difícil”.
Após o sucesso do parto, o útero transplantado foi retirado porque a recetora tinha de ser medicada com imunossupressores para certificar que não havia rejeição do órgão. Segundo a líder da equipa, continuar a terapêutica iria ser muito dispendioso, pelo que acaba por ser preferível usar os fundos disponíveis para efetuar mais transplantes.
Este caso de sucesso no Brasil acontece depois de dez tentativas falhadas nos Estados Unidos, República Checa e Turquia.
Voluntária recrutada na Internet
Em entrevistas anteriores, Dani Ejzenberg já tinha explicado o processo de recrutamento. “As pacientes do estudo foram recrutadas a partir de comunidades na Internet que reúnem pacientes com Rokitansky, a ausência congénita de útero de que sofre a transplantada.”
Neste caso, a fertilização aconteceu quatro meses antes do transplante. “Só depois de aspirar os óvulos e ter certeza de que a paciente tinha bons embriões e uma chance real de gravidez é que realizámos o transplante”, uma cirurgia que terá durado 10 horas e meia. Apenas um mês após a operação, a brasileira começou a ter período.
A equipa médica responsável por este feito considera que este procedimento traz esperança para mulheres com uma série de afeções, nomeadamente aquelas que foram submetidas a uma histerectomia (remoção do útero) e que até agora só podiam adotar ou recorrer à maternidade de substituição.
Ainda assim, o ginecologista adverte que, apesar de ter corrido tudo bem, a experiência não deve ser repetida tão cedo. “Não estamos a selecionar mais pacientes. Este tipo de procedimento ainda é experimental e só pode ser realizado por equipas treinadas, em ambiente de pesquisa e após autorização dos órgãos competentes.”
Ao The Guardian, um ginecologista britânico concorda com Ejzenberg e acrescenta que é necessário investigar mais até que este procedimento possa ser generalizado. Ainda assim, adianta, este processo pode permitir a mulheres transexuais engravidar (pelo menos em teoria).