Há situações raras e excepcionais que se tornaram marcantes na história da medicina e o caso do médico soviético Leonid Rogozov, que realizou uma cirurgia a si próprio, para escapar à morte, é uma das mais extraordinárias.
O episódio ocorreu na década de 1960, durante uma expedição à Antárctida, e ganhou maior visibilidade em 2009, quando o filho do cirurgião, Vladislav Rogozov, também médico, escreveu sobre a cirurgia executada pelo pai num artigo científico no British Medical Journal.
Tudo começou quando Leonid Rogozov, na altura com 27 anos, começou a perceber que algo de mal se passava com o seu estado de saúde. Náuseas, fraqueza e dores fortes do lado direito do abdómen foram o suficiente para o jovem cirurgião perceber que estava a sofrer uma apendicite aguda.
Uma vez que a viagem de volta ao seu país natal, a Rússia, demorava 36 dias por mar, o médico começou a temer pela própria vida, já que qualquer assistência médica não chegaria a tempo e os sintomas eram cada vez mais intensos.
Viu-se, então, deparado apenas com duas possibilidades: ou não fazia nada e esperava por ajuda, que não viria, ou operava-se a si mesmo.
A escolha não foi fácil. Mas, com a experiência que tinha como cirurgião, e sabendo que o seu apêndice podia rebentar a qualquer momento, Rogozov ganhou coragem e decidiu preparar-se para uma auto-operação, mesmo sem saber se isso seria humanamente possível.
Através do diário do médico, foi possível tomar conhecimento da cirurgia que se transformou num marco da medicina.
Rogozov elaborou um plano minucioso, distribuindo determinadas tarefas a alguns dos seus colegas, como dois assistentes para lhe passarem os instrumentos e também para segurarem num espelho, de forma a que visse o que estava a fazer através do reflexo. Instruiu-os, também, para saberem como proceder caso começasse a perder a consciência.
“Pobres dos meus assistentes! No último minuto, olhei para eles. Estavam ali em pé, a vestir as suas roupas cirúrgicas brancas, mais brancos do que o branco das roupas. Eu também estava com medo. Mas quando peguei na agulha com a novocaína e fiz a primeira injecção, de alguma forma entrei no modo cirurgião; e daquele ponto em diante não notei mais nada”, escreveu Rogozov no seu diário.
A cirurgia, que durou cerca de duas horas, não se revelou fácil, sobretudo no final, quando o médico começou a perder a consciência. Porém, conseguiu ter sucesso até ao fim, mesmo com um pequeno percalço.
“O sangramento é forte, mas vou devagar… Ao abrir o peritónio, feri a víscera e tive de costurá-la”, relata no diário o médico.
Depois de concretizar o feito impressionante, só descansou após a sala e os instrumentos estarem completamente limpos. Duas semanas depois, voltou à sua rotina diária, totalmente recuperado.
Quando voltou à Rússia, Leonid Rogozov foi recebido como um verdadeiro herói nacional e o seu feito inspirou os grandes líderes a utilizarem-no como arma de propaganda soviética. No entanto, o cirurgião quis manter-se discreto, continuando com o seu trabalho habitual.
O seu nome fica registado na História pelo seu forte contributo para a medicina, revolucionando a política de exames prévios e também o aperfeiçoamento de técnicas cirúrgicas.
ZAP // Move