Com 90 anos, Felícia Glória da Assunção-Pailleux, filha de um soldado português, é um símbolo do Corpo Expedicionário Português que combateu no norte de França durante a I Guerra Mundial, e mantém viva, até hoje, a memória do pai.
O seu pai, João Manuel da Costa Assunção, era serralheiro em Portugal quando, com 22 anos, deixou o país para se juntar ao Corpo Expedicionário no norte de França.
Foi um dos sobreviventes da Batalha de La Lys, em 1918, que aconteceu na sequência da ofensiva alemã contra as forças britânicas, nas quais se encontrava inserido o Corpo Expedicionário Português.
Este sábado, a filha do militar, Felícia Glória d’Assunção Pailleux, foi vivamente cumprimentada pelo Presidente da república na homenagem que prestou aos soldados portugueses que participaram na Primeira Guerra Mundial em França, em La Couture, no norte de França.
À semelhança do que tem feito nos últimos 40 anos, Felícia d’Assunção levou a bandeira de Portugal para as cerimónias evocativas da Grande Guerra no cemitério militar português de Richebourg e no monumento aos soldados lusos em La Couture, na região de Nord-Pas-de-Calais, no norte de França.
A bandeira original chegou a França em 1924, requerida por João Assunção e por outros soldados, tendo ficado nas mãos de Felícia desde a morte do pai, em 1975, até 2010, ano em que a doou a um museu português em troca de uma “cópia exata” aquando da visita a Portugal e ao Palácio de Belém.
Felícia fez 90 anos a 5 de abril, dias antes das comemorações do 09 de abril de 1918, o início das operações conhecidas como a Batalha de La Lys.
Foi na famosa Batalha de La Lys, considerada como “a Alcácer Quibir do século XX”, que morreram cerca de dois mil soldados do Corpo Expedicionário Português, nas vésperas do render de tropas.
João Manuel da Costa Assunção perdeu a batalha, mas sobreviveu à guerra e ganhou uma esposa.
“A frente era a cerca de 15 km daqui. Os soldados portugueses vieram duas vezes à granja da família e viram toda a família incluindo Mélanie, a minha mãe. Foi amor à primeira vista“, conta Felícia, a terceira dos 15 filhos de João e Mélanie.
Quando a guerra terminou, João Manuel da Costa Assunção “ainda foi até ao barco para regressar a Portugal mas voltou atrás” e foi bater à porta da avó de Felícia, onde ficou a dormir no corredor até se casar com Mélanie.
“Como não tinha dinheiro, foi trabalhar nas minas, e todos os dias ia vestido de soldado. Depois, montou uma oficina de bicicletas com outros portugueses e trabalhava ao mesmo tempo nas minas e na oficina”, continuou Felícia que nasceu portuguesa devido às leis de outrora, mas foi naturalizada francesa aos quatro anos quando o pai adquiriu a nacionalidade francesa para poder abrir a sua oficina de bicicletas.
“Nasci portuguesa, voltei a ser francesa em 1930, aos quatro anos, e em 2004 voltei a ter a nacionalidade portuguesa porque a pedi”, conta Felícia, que nunca aprendeu a língua de Camões em casa porque a mãe teve medo que os habitantes de Ecquedeques mandassem a família embora já que “todas as pessoas da aldeia queriam que os portugueses partissem”.
“Mais do que uma história de família, é um compromisso”, considera Aurore Rouffelaers, neta de Felícia e bisneta de João Assunção, que há cerca de dois anos criou uma agência de turismo com visitas temáticas aos grandes campos de batalha da Flandres, nas quais também fala “da memória de Portugal” .
“Nós continuamos a fazer o que o João começou em 1917. É um dever de memória para com todos os contingentes militares – não apenas o português – que vieram para França defender uma ideia de liberdade, de independência, de resistência face à opressão”, explicou a francesa, de 37 anos.
À imagem da avó, no futuro, Aurore quer desfilar com a bandeira da Associação de Ex-Combatentes Portugueses naquilo que considera como “um destino, uma missão”.
Para a bisneta de João Manuel da Costa Assunção, a visita do presidente da República e do primeiro-ministro ao Cemitério Militar de Richebourg e ao monumento aos combatentes portugueses em La Couture “é o coroar de vários anos de compromisso e de determinação de uma senhora de um metro e cinquenta, a sua avó, que foi a primeira mulher porta-estandarte, contra tudo e contra todos”.
/Lusa