A “geringonça” da esquerda que sustenta o Governo tem demonstrado estabilidade superior à esperada. Alguns politólogos ouvidos pela Lusa destacam a habilidade política do primeiro-ministro, num “jogo de equilíbrios” cuja duração dependerá de fatores externos e orçamentais.
Na terça-feira cumprem-se seis meses desde que o PS assinou três “posições conjuntas” separadas com o BE, PCP e PEV, que possibilitaram uma maioria parlamentar para formar um Governo socialista, acordo que ganhou o apelido de “geringonça“.
A alcunha foi inicialmente escolhida pelo comentador Vasco Pulido Valente, mas disseminada pelo ex-vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, que o usou no parlamento precisamente no dia da assinatura dos acordos, a 10 de novembro de 2015, quando o programa do Governo PSD/CDS foi chumbado.
O politólogo André Azevedo Alves, do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, não hesita em afirmar, em declarações à Agência Lusa, que a “estabilidade do arranjo governativo que António Costa conseguiu reunir tem sido superior à que era esperada”, considerando que o primeiro-ministro “poderá ter sido subestimado em termos da sua habilidade política para gerir este jogo de equilíbrios”.
Já António Costa Pinto, do Instituto de Ciências Sociais, defende que “este Governo depende fundamentalmente da conjuntura económica e dos compromissos com Bruxelas o obrigarem à alteração da estratégia em curso”, antecipando que se esta “for muito significativa, evidentemente que a base de apoio se esboroa”.
“É de crer até que, salvo imprevisto maior e possível da União Europeia, o Governo esteja para continuar por mais uns tempos”, vaticinou.
Para ambos os politólogos, o grande teste a que a geringonça estará sujeita é a execução orçamental do OE 2016 e, consequentemente, a elaboração do próximo Orçamento do Estado, que será decisivo.
Apesar de considerar “muito difícil que o Governo possa durar uma legislatura”, André Azevedo Alves é mais prudente em dar um prazo de validade à geringonça, que acredita ser de “médio prazo”, mas que depende “muito dos testes e das tensões externas” a que esteja sujeita.
Costa Pinto é peremptório ao afirmar que “quanto mais durar este Governo, melhor para os partidos mais à esquerda que o apoiam”, como o caso do BE, PCP e PEV, porque o eleitorado de esquerda “iria punir quem achasse que fosse culpado por esse colapso” e “traria a coligação da direita para o poder por longos anos”.
Na mesma linha de pensamento, André Azevedo Alves explica que a questão em aberto sobre qual dos partidos poderá estar mais em risco de perda de eleitorado “depende muito da perceção que se gere na opinião pública face a um eventual colapso do Governo”, sendo o grande perigo “para quem seja percecionado como o culpado”.
“Tendo em conta a habilidade que António Costa tem manifestado, não é impossível que se possa sair bem“, avisou o investigador.
Os politólogos também concordam que do Palácio de Belém têm soprado ventos de apoio institucional e, na opinião de André Azevedo Alves, Marcelo Rebelo de Sousa adotou uma postura de “tentar auxiliar o mais possível do Governo”, o que para além de ser consistente com o discurso da campanha eleitoral, lhe dará “uma margem de manobra maior numa eventual situação de crise”.
“O comportamento de Marcelo Rebelo de Sousa tem sido ditado por um modelo institucional clássico dos Presidentes da República, ou seja, existindo um Governo com apoio parlamentar maioritário, reforçar o apoio à estabilidade governamental”, teorizou Costa Pinto.
Aconteça o que acontecer à “geringonça”, para o investigador do Instituto de Ciências Sociais há algo que o primeiro-ministro já conquistou: “António Costa, pela surpresa desta solução governamental, já tem o seu lugar na história da democracia portuguesa porque alterou uma característica que era a inexistência de pactos políticos à esquerda do espetro político“.
ZAP / Lusa