100 anos: Carlos Paredes tinha “três realidades que quase nunca se conseguem”

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E nem era profissional da guitarra portuguesa, era administrativo num hospital: “Os portugueses devem estar fartos de mim”.

O guitarrista Carlos Paredes faria neste domingo 100 anos. Nasceu em Coimbra, em 16 de fevereiro de 1925, e morreu em Lisboa, em 23 de julho de 2004, cidade para onde a família se havia mudado logo em 1931.

Filho do guitarrista Artur Paredes, outro nome maior da guitarra portuguesa, Carlos Paredes deu continuidade a uma linha familiar de gerações de músicos, mantendo-se leal à tradição e ao estilo de origem, tocando a guitarra de Coimbra, com a afinação do fado de Coimbra.

Imprimiu, porém, uma abordagem pessoal, que o levou aos principais palcos mundiais e a trabalhos conjuntos com outros grandes intérpretes, como o contrabaixista norte-americano de jazz Charlie Haden, com quem editou o álbum “Dialogues”. O Kronos Quartet adotou “Verdes Anos” para o seu repertório.

Carlos Paredes viveu sobretudo em Lisboa e a cidade inspirou muitas das suas composições. “Verdes Anos”, uma das mais conhecidas da sua obra, foi composta para o filme homónimo de Paulo Rocha, marco do Novo Cinema português dos anos de 1960.

Combatente antifascista, opôs-se à ditadura e foi preso pela PIDE, no final da década de 1950, tendo sido encarcerado na Cadeia do Aljube e no Forte de Caxias.

Até à década de 1990, conciliou a guitarra com a sua atividade como administrativo no Hospital de São José, em Lisboa. “Sou funcionário público. Não é uma profissão que me agrade muito, mas é uma profissão muito digna”, afirmou, citado no livro “Amigo Paredes”, de Paulo Sérgio dos Santos.

“Os portugueses já me ouvem tocar há tanto tempo que devem estar fartos de mim”, disse ao Público, em 1991, citado numa publicação que lhe foi dedicada pela Biblioteca-Museu República e Resistência, de Lisboa.

E até assegurava: “Sou pouco mais do que um amador de guitarra” – não era guitarrista profissional.

Anos antes, em 1978, no jornal O Diário escrevia: “Historicamente, há que distribuir a luta pela defesa e robustecimento da integridade espiritual do Povo português, por dois períodos. Exigia o primeiro situado em pleno fascismo e acompanhando o seu desenvolvimento e declínio até à libertação, em 1974, que se fizesse face à confusão de valores, à castração das artes, à substituição das formas de expressão mais conscientes por outras mais manipuláveis. Era, então, necessário separar o trigo do joio”.

Nesse texto, citado numa publicação de 2003 da Biblioteca-Museu República e Resistência, de Lisboa, Paredes continuava: “Como é lógico, tão difíceis tarefas começaram por caber aos intelectuais. Intelectualidade e cultura passaram a constituir no consenso geral, uma unidade exclusiva. Em 25 de Abril, o processo de consciencialização popular adquiriu um novo e poderoso alento com a ‘explosão’ da capacidade criadora das massas de que a Reforma Agrária é um dos completos e maravilhosos exemplos”.

Escrevia o guitarrista: “As responsabilidades pela evolução da cultura pertencem, agora, em partes equivalentes, aos intelectuais e a todos os outros trabalhadores”.

Em dezembro de 1993 foi-lhe diagnosticada uma mielopatia, doença que lhe atacou a estrutura óssea e que o impediu de tocar a guitarra.

Nesse ano começou a gravar o último álbum, “Canção para Titi”, que seria editado apenas em 2000.

Espetáculos

Para celebrar o centenário, há um conjunto de iniciativas que já começaram no início do mês e se vão prolongar ao longo dos próximos meses, incluindo dois concertos, neste domingo.

Na Aula Magna da Universidade de Lisboa, vão juntar-se, às 18:00, Ana Telles, a Banda de Música Bombeiros de Torres Vedras, Carlos Alberto Moniz, A Garota Não, Gonçalo Lopes, Inês Vaz, Joana Bagulho, Luísa Amaro, Mafalda Lemos, Gonçalo Lopes, Mário Laginha, Miguel Amaral, Simão Mota, Alma Menor e Rumos Ensemble.

O espetáculo, de entrada gratuita, que faz parte do programa Música na Universidade de Lisboa, já tem lotação esgotada.

Também hoje, no Convento São Francisco, em Coimbra, o norte-americano Ben Chasny e o português Norberto Lobo dão mais um dos vários concertos da série de atuações sob o mote “Paredes”, de homenagem ao músico de “Verdes Anos”, que prossegue em Faro, na terça-feira, e no Tremor, nos Açores, em abril.

A Assembleia da República assinala o centenário do nascimento do guitarrista com um concerto de Luísa Amaro, na quarta-feira, na Sala do Senado.

A entrada no concerto “Carlos Paredes – 100 anos”, que está marcado para as 19:00, logo após o final da sessão plenária, é gratuita, mediante marcação.

Luísa Amaro recordou na RTP a maior virtude de Carlos Paredes: “Era um virtuoso na guitarra portuguesa: como músico, como técnico, era fantástico, porque ele tocava o que tinha composto e interpretava de forma perfeita. Estas três realidades, na mesma pessoa, quase nunca se conseguem“.

Na sexta-feira, no Theatro Circo, em Braga, o pianista Mário Laginha toca com Julian Arguelles (saxofone), Romeu Tristão (contrabaixo) e João Pereira (bateria), num concerto de homenagem ao guitarrista.

O programa de celebração do centenário de Carlos Paredes, “Variações para Carlos Paredes”, foi repartido em três linhas de atuação: a vertente performativa, com espetáculos, a vertente de investigação, com publicações e colóquios, e a vertente educativa, com oficinas, visitas e roteiros.

O programa foi elaborado por um grupo de trabalho, nomeado pelo Ministério da Cultura e coordenado por Levi Batista (executor do testamento de Carlos Paredes), do qual fizeram parte a diretora do Museu do Fado, Sara Pereira, o coordenador da equipa de instalação do Arquivo Nacional do Som, Pedro Félix, o historiador António Nunes e Filipa Alfaro (Ministério da Cultura).

ZAP // Lusa

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