Webb descobre água, e um novo mistério, num raro cometa da cintura principal

NASA / ESA

Impressão de artista do Cometa 238P/Read – ilustrando que o vapor de água está a ser libertado para o espaço, quando aquecido pelo calor do Sol.

O Telescópio Espacial James Webb da NASA/ESA/CSA permitiu mais um avanço científico há muito procurado, desta vez para os cientistas do Sistema Solar que estudam as origens da água que tornou possível a vida na Terra.

Utilizando o instrumento NIRSpec (Near-Infrared Spectrograph) do Webb, os astrónomos confirmaram, pela primeira vez, a existência de gás – especificamente vapor de água – em torno de um cometa na cintura principal de asteroides, provando que a água do Sistema Solar primordial pode ser preservada sob a forma de gelo nessa região.

No entanto, a deteção bem-sucedida de água vem acompanhada de um novo quebra-cabeças: ao contrário de outros cometas, o cometa 238P/Read não tinha dióxido de carbono detetável.

“O nosso mundo, cheio de água, repleto de vida e único no Universo, tanto quanto sabemos, é um mistério – não sabemos ao certo como é que toda esta água chegou aqui”, disse Stefanie Milam, cientista adjunta do projeto Webb para a Ciência Planetária e coautora do estudo que relata a descoberta.

“Compreender a história da distribuição da água no Sistema Solar ajudar-nos-á a compreender outros sistemas planetários e se podem estar a caminho de albergar um planeta semelhante à Terra“, acrescentou.

O Cometa Read é um cometa da cintura principal – um objeto que reside na cintura principal de asteroides, mas que periodicamente exibe um halo, ou cabeleira, e uma cauda como um cometa.

Os cometas da cintura principal são uma classificação relativamente recente, e o cometa Read foi um dos três cometas originais utilizados para estabelecer a categoria.

Antes disso, considerava-se que os cometas tinham origem na Cintura de Kuiper e na Nuvem de Oort, para lá da órbita de Neptuno, onde os seus gelos podiam ser preservados mais longe do Sol.

O material congelado que se vaporiza à medida que se aproxima do Sol é o que dá aos cometas a sua cabeleira característica e a sua cauda, diferenciando-os dos asteroides.

Os cientistas há muito que especulam que a água gelada pode ser preservada na mais quente cintura de asteroides, dentro da órbita de Júpiter, mas a evidência definitiva permanecia elusiva – até agora.

Imagem do Cometa 238P/Read, capturada pelo NIRCam (Near-Infrared Camera) do Webb da NASA/ESA/CSA no dia 8 de setembro de 2022. Mostra a cabeleira e a cauda, características de cometas, em oposição aos asteroides. A cabeleira e a cauda resultam da vaporização de gelos à medida que o Sol aquece o corpo principal do cometa.

“No passado, vimos objetos na cintura principal com todas as características de cometas, mas só com estes dados espectrais precisos do Webb é que podemos dizer que sim, que é definitivamente água gelada que está a criar este efeito”, explicou o astrónomo Michael Kelley da Universidade de Maryland, autor principal do estudo.

“Com as observações do Cometa Read pelo Webb, podemos agora demonstrar que a água gelada dos primórdios do Sistema Solar pode ser preservada na cintura de asteroides”, disse Kelley.

A ausência de dióxido de carbono foi uma surpresa maior. Normalmente, o dióxido de carbono constitui cerca de 10% do material volátil de um cometa, que pode ser facilmente vaporizado pelo calor do Sol.

A equipa científica apresenta duas explicações possíveis para a falta de dióxido de carbono. Uma possibilidade é que o Cometa Read tinha dióxido de carbono quando se formou, mas perdeu-o devido às temperaturas quentes.

“Estar na cintura de asteroides durante muito tempo pode ser a causa – o dióxido de carbono evapora-se mais facilmente do que a água gelada e pode vazar para o espaço ao longo de milhares de milhões de anos”, disse Kelley.

Em alternativa, disse, o Cometa Read pode ter sido formado numa zona particularmente quente do Sistema Solar, onde não havia dióxido de carbono disponível.

NASA, ESA, CSA e J. Olmsted (STScI)

Esta apresentação gráfica de dados espectrais destaca uma semelhança e uma diferença fundamentais entre as observações do Cometa 238P/Read pelo instrumento NIRSpec (Near-Infrared Spectrograph) do Telescópio Espacial James Webb da NASA/ESA/CSA em 2022 e as observações do cometa 103P/Hartley 2 pela missão Deep Impact da NASA em 2010. Ambas mostram um pico distinto na região do espectro associada à água. Encontrar isto no Cometa Read foi um feito significativo para o Webb, uma vez que pertence a uma classe de cometas diferente da dos cometas da família de Júpiter, como o Hartley 2, e marca a primeira vez que um gás foi confirmado num cometa da cintura principal. No entanto, o Cometa Read não mostrou o característico e esperado sinal que indica a presença de dióxido de carbono.

O próximo passo é levar a investigação para além do Cometa Read, para ver como se compara com outros cometas da cintura principal, diz a astrónoma Heidi Hammel da AURA (Association of Universities for Research in Astronomy), responsável pelo programa GTO (Guaranteed Time Observations) do Webb para objetos do Sistema Solar e coautora do estudo.

“Estes objetos da cintura de asteroides são pequenos e ténues, e com o Webb podemos finalmente ver o que se passa com eles e tirar algumas conclusões. Será que outros cometas da cintura principal também não têm dióxido de carbono? Seja como for, será emocionante descobrir“, disse Hammel.

A coautora Milam imagina as possibilidades de trazer a investigação ainda para mais perto de casa.

“Agora que o Webb confirmou que existe água preservada tão perto como na cintura de asteroides, seria fascinante dar seguimento a esta descoberta com uma missão de recolha de amostras e saber o que mais os cometas da cintura principal nos podem dizer”.

O estudo foi publicado na revista Nature.

// CCVAlg

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