Vitamina D: os mitos e o que ainda falta saber sobre a doença da moda

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A pandemia de covid-19 parece ter sido um ponto de inversão na relação entre os indivíduos e a vitamina D — o que se reflete no auge de vendas de suplementos a partir de 2020 e na difusão de conteúdo na internet apontando tanto os possíveis benefícios quando as limitações dela no combate à doença associada à sua carência.

Aliás, devemos dizer logo que o papel da vitamina D na covid-19 ainda está em investigação por cientistas e não há consenso sobre o tema. Mas a hormônio com nome de vitamina já era uma fonte de fascínio e controvérsia antes da pandemia, pelo que tem tudo para continuar a ser depois dela.

Quem deve tomar suplementos de vitamina D, quais doenças que esta hormona pode prevenir e qual seria o nível ideal no sangue são perguntas que têm movido muitas investigações ao redor do mundo — e que, com a ajuda de especialistas e artigos científicos, tentamos explicar nesse texto, mesmo que ainda não haja respostas definitivas para algumas perguntas.

No ano passado, a descoberta da vitamina D fez 100 anos. No início do século XX, vários médicos e cientistas de instituições diferentes procuraram a causa do raquitismo e concluíram que a ingestão de óleo de fígado de bacalhau prevenia e tratava essa doença óssea. No entanto, a exposição ao sol também parecia ter um papel.

Uma equipa liderada pelo bioquímico norte-americano Elmer McCollum foi quem atribuiu o nome “vitamina D”, em 1922.

Na altura, muitas vitaminas estavam a ser descobertas — as letras A, B e C já estavam ocupadas —, e o novo composto foi identificado. Décadas depois, com mais pesquisas e uma análise mais detalhada da estrutura molecular, chegou-se ao consenso de que a vitamina D é, na verdade, uma hormona.

Atualmente, há cientistas a tentar banalizar o nome “hormona vitamina D”, mas o termo “vitamina D” continua a ser muito popular.

Hoje, está mais do que comprovado que a vitamina D regula a quantidade de cálcio e fósforo no nosso corpo — e esses, por sua vez, são essenciais para o crescimento e a manutenção de ossos, dentes e músculos. Ou seja, a vitamina D é importantíssima para a saúde óssea e muscular.

Já se sabe também que podemos obter a vitamina D de três formas: com a produção do nosso corpo, a partir da exposição ao sol; pela alimentação e pela suplementação.

A médica endocrinologista Marise Lazaretti-Castro, professora da Universidade Federal de São Paulo, no Brasil, afirma que é um equívoco comum entre os pacientes pensar que os efeitos da alimentação e da suplementação só vão ser ativados se houver exposição ao sol.

“É uma ideia errada a de que precisa de apanhar sol mesmo ingerindo a vitamina. O que o sol faz é produzir na nossa pele a vitamina D. Se uma pessoa a está a ingerir pelo alimento ou pelo suplemento, não precisa de se expor ao sol”, explica Lazaretti-Castro.

Outro alerta feito por Castro e pela nutricionista Marcela Mendes, também entrevistada pela BBC News Brasil, é que, na prática, não podemos contar muito com a alimentação para obter a vitamina D.

O salmão, por exemplo, que costuma ser apontado como uma rica fonte, só nos dá a hormona se for selvagem — e não de viveiro, como é mais comum encontrar nos supermercados.

“Ainda falta educação nutricional para entender que a alimentação dificilmente vai ser suficiente para suprir a necessidade. Os principais alimentos com vitamina D são o salmão selvagem, cogumelos e peixes gordurosos.

Qual é a real aplicação disso na nossa população? A ingestão desses alimentos precisaria ser diária para se transformar numa fonte”, aponta Mendes, doutorada em ciências nutricionais pela Universidade de Surrey (Inglaterra) e membro do grupo de pesquisa de Vitamina D da Universities Global Partnership Network (UGPN).

Em alguns países com invernos severos e menor exposição ao sol, é obrigatória a fortificação de alimentos com vitamina D.

“Quando se olha para o rótulo, é uma quantidade que não faz diferença. Não é enganoso, mas pode gerar confusão e achar-se que se está a fazer o suficiente ao ingerir aquele alimento. As pessoas acham que estão a ter uma fonte garantida de vitamina D”, alerta a nutricionista, sugerindo uma regulamentação mais rigorosa para o uso dessas chamadas.

Usar ou não usar suplementos?

Além da alimentação, temos ainda a exposição ao sol e a suplementação como formas de obter a vitamina D. Durante muito tempo, pensou-se que um clima quente fosse suficiente para garantir à população vitamina D — inclusive por isso, o raquitismo nunca foi uma preocupação grande em certas geografias. Mas estudos recentes têm mostrado o contrário.

Um estudo publicado em novembro de 2022 no Journal of the Endocrine Society e assinado por Lazaretti-Castro debruçou-se sobre os níveis de vitamina D em doadores de sangue de três cidades brasileiras. Os resultados mostraram deficiência de vitamina D em 12,1% das pessoas em Salvador; 20,5% em São Paulo e 12,7% em Curitiba.

Dados mundiais reunidos em um artigo da Nature mostram que o percentual de deficiência em outras populações é maior, como nos Estados Unidos (24%), Canadá (37%) e Europa (40%).

O estilo de vida atual também pode diminuir nossa exposição ao sol, conforme permanecemos mais em ambientes fechados e usamos protetores solares. E aí entra outro dilema: para evitar o envelhecimento e o câncer de pele, usamos protetores que bloqueiam a luz ultravioleta B (UVB) — crucial para nosso corpo sintetizar a vitamina D.

O que ainda falta saber: o papel da vitamina D na prevenção e tratamento de doenças

Enquanto os benefícios da vitamina D para a saúde óssea já são conhecidos, os chamados “efeitos extraesqueléticos” da hormona ainda estão a ser estudados — e a todo vapor.

Só no primeiro trimestre deste ano, foram publicados artigos científicos que investigaram o papel da vitamina D na esclerose múltipla, demência, asma, no cancro de pele melanoma, entre muitas outras doenças.

A hipótese de que a hormona pode ter um papel na prevenção ou no tratamento de doenças deve-se, em parte, pelo fato de que já foram encontrados genes receptores da vitamina D em vários tipos de células do corpo humano, dos neurônios aos linfócitos. Ou seja, se há receptores, é provável que a vitamina D cumpra alguma função naquela célula.

Além disso, estudos com voluntários em que esses receptores foram excluídos mostraram que as glândulas mamárias ficaram mais propensas ao cancro de mama; o músculo cardíaco à hipertrofia; a próstata à hiperplasia; e o fígado ficou mais gorduroso.

Existe a dúvida se a ligação entre vitamina D e efeitos na saúde é de causalidade, correlação ou até de “causalidade reversa“, segundo explica a endocrinologista Marise Lazaretti-Castro

“Como a vitamina D depende da exposição solar, se a pessoa está doente, não se vai expor tanto ao sol. É o que se chama de causalidade reversa: é a doença que está a produzir a vitamina D mais baixa, e não o contrário”, diz.

Considerados “padrão ouro” nos estudos de saúde, os ensaios clínicos aleatórios controlados, que consistem em testes com voluntários, são por príncípio aqueles que melhor poderiam mostrar a causalidade entre a vitamina D e algum efeito na saúde. Mas estudos desse tipo têm encontrado obstáculos.

Segundo Lazaretti-Castro, o maior estudo do tipo já feito foi o VITAL, realizado nos Estados Unidos. O estudo investigou a ligação entre vitamina D, o cancro e doenças cardiovasculares. Foram acompanhados 25.817 voluntários por, em média, cinco anos. Os participantes foram divididos em um grupo que foi suplementado com uma alta dose de vitamina D (2.000 IU) e outro que recebeu placebo.

O estudo concluiu que a vitamina D não levou a uma redução significativa no risco de cancro e nem de doenças cardiovasculares. Tampouco houve redução nas mortes por doenças cardiovasculares — mas para o cancro, houve sim redução na mortalidade, de 17%.

Mas Lazaretti-Castro explica que o estudo VITAL enfrentou um obstáculo que ensaios clínicos com a vitamina D costumam enfrentar: não é ético deixar o grupo de voluntários que recebe placebo adulterado de hormona.

ZAP //

2 Comments

  1. Oh meus senhores deixai de dizer barbaridades infundadas sobre o peixe de aquacultura. Com que então o “salmão de viveiro não tem vitamina D”? Sempre me interessa saber quais são as vossas fontes. Não só o salmão de aquacultura tem vitamina D, como (sendo mais gordo e tratando-se de uma vitamina lipossolúvel), tem normalmente MAIS vit D que o selvagem…

    Caso se questionem sobre a minha legitimidade em fazer este comentário: sou bióloga marinha, tenho um doutoramento em nutrição em aquacultura e trabalho no setor há quase 20 anos.

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