No caso dos emails, o MP acusa o ex-Presidente do Benfica de ter desviado 6 milhões de euros do clube através de negócios de jogadores. Um juiz do Supremo Tribunal é ainda suspeito de assinar um despacho encomendado pelos encarnados.
Luís Filipe Vieira, ex-presidente do Benfica, e o seu antigo braço-direito, Paulo Gonçalves, estão no centro de acusações de desvio de cerca de 6 milhões de euros da SAD do clube lisboeta.
O Ministério Público (MP) alega que entre 2016 e 2019, através de três negócios envolvendo jogadores brasileiros, os dois teriam desviado fundos do clube. O MP também acusa ambos de simular transferências com o Vitória de Setúbal para injetar dinheiro no clube sadino, que enfrentava dificuldades financeiras.
O processo, conhecido como “caso dos emails”, envolve 11 arguidos, incluindo as SADs do Benfica e do Vitória de Setúbal, e crimes de corrupção, fraude fiscal e participação económica em negócio, refere o JN.
A investigação arrancou em 2017, na sequência da divulgação de Francisco J. Marques — na altura diretor de comunicação do FC Porto — de emails privados do Benfica num programa do Porto Canal.
O MP defende que Vieira e Gonçalves desviaram milhões em negócios relacionados com os jogadores Luís Felipe, Marcelo Hermes e Daniel dos Anjos. Parte do dinheiro teria sido canalizada para empresas controladas por Adolfo Oliveira, filho de um amigo de Vieira e olheiro no Brasil. Só na compra de Luís Felipe, o Benfica teria pago 1,2 milhões de euros acima do valor real, num negócio considerado fraudulento, dado que o jogador nem sequer chegou a jogar pelo Benfica.
O Ministério Público também alega que os arguidos simularam negócios com o Vitória de Setúbal, envolvendo os jogadores Bruno Varela, João Amaral e Willyan Barbosa, com o objetivo de injetar cerca de 784 mil euros no clube sadino. Este esquema teria como fim último garantir que o Vitória de Setúbal se tornasse financeiramente dependente do Benfica, com benefícios para Vieira na Liga de Clubes.
A acusação pede a suspensão do Benfica e do Vitória de Setúbal de competições desportivas, além de sanções individuais para Luís Filipe Vieira, Paulo Gonçalves e ex-dirigentes do Vitória de Setúbal, incluindo Fernando Oliveira e Vítor Valente. O MP também exige compensações financeiras que somam mais de 1,6 milhões de euros aos clubes e dirigentes envolvidos.
O atual presidente do Benfica, Rui Costa, foi ilibado de qualquer envolvimento, assim como José Eduardo Moniz e Nuno Gaioso. O Benfica emitiu um comunicado reafirmando que se defenderá de todas as acusações, classificando-as de “infundadas”, enquanto Paulo Gonçalves considerou as alegações “surreais”.
Por outro lado, o Vitória de Setúbal, atualmente na II divisão distrital, aguarda o desfecho judicial, afirmando que as acusações recaem sobre a antiga SAD e os seus dirigentes, e espera que o clube não seja afetado pelas sanções, sobretudo considerando a sua atual situação de insolvência.
Lei desportiva não prevê suspensão do SLB
O Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) deverá instaurar um processo à Benfica SAD, na sequência das acusações do MP.
Segundo o especialista em direito desportivo, Lúcio Correia, ouvido pelo Diário de Notícias, o CD “não tem outra opção” senão encaminhar o caso para a Comissão de Instrução da Liga Portugal, ainda que levante dúvidas sobre as possíveis consequências disciplinares.
De acordo com a legislação desportiva vigente entre 2016 e 2019, crimes como corrupção ativa ou recebimento indevido de vantagens poderiam resultar em perda de pontos, uma sanção que, neste caso, não se aplica devido à homologação das competições. Assim, a multa seria a sanção mais provável.
Correia destaca que, apesar do MP poder solicitar a suspensão da atividade desportiva em caso de condenação, a atual legislação desportiva pode ser considerada insuficiente. “Pensar que um crime de corrupção ativa pode ser punido apenas com uma multa é chocante”, afirmou, sugerindo que a Liga e a Federação deveriam repensar as regras para garantir a integridade das competições.
Juiz do Supremo suspeito de favorecer o Benfica
Ricardo Costa, juiz do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e antigo presidente da Comissão Disciplinar da Liga, está também sob suspeita por ilícitos criminais, incluindo corrupção e abuso de poder. Em causa está a sua ligação a um parecer jurídico encomendado e pago pelo Benfica, supostamente para beneficiar José Ferreira Nunes, responsável pela classificação dos árbitros entre 2013 e 2016.
De acordo com o despacho de acusação, durante as buscas nas instalações do Benfica, foram encontradas trocas de emails entre Ricardo Costa e Paulo Gonçalves, assessor jurídico do clube, que sugerem a possível prática de crimes por parte do juiz, explica o JN.
Contudo, dado o cargo que Ricardo Costa ocupa no STJ, a investigação terá de ser conduzida pelo MP junto daquele tribunal. As mensagens, cujo conteúdo específico não foi revelado, indicam que o juiz poderá ter violado as suas obrigações enquanto vice-presidente do Conselho de Arbitragem Desportiva do Tribunal Arbitral do Desporto na altura dos factos.
Um dos principais focos da investigação envolve um parecer jurídico co-assinado por Ricardo Costa em 2016, na qualidade de advogado da Abreu Advogados, destinado a apoiar a candidatura de Ferreira Nunes à Associação de Futebol de Coimbra. Este parecer, com o valor de 18 450 euros, foi encomendado pelo Benfica, segundo o MP, e pago através de Paulo Gonçalves, apesar de Ferreira Nunes ser o beneficiário direto.
A investigação revelou mensagens trocadas entre Gonçalves e Costa, nas quais o jurista pede informações sobre o cliente para o parecer. Gonçalves, ao receber a fatura, mostrou desagrado com o modo como foi emitida, sugerindo que o documento deveria ter sido alterado. Esta troca de mensagens é um dos indícios da relação contratual entre as partes.
Além disso, a investigação apurou que, entre agosto de 2016 e junho de 2017, Ferreira Nunes recebeu depósitos de 19 450 euros, montante que quase coincide com o valor pago à Abreu Advogados pelo parecer. O MP conclui que as evidências apontam que o Benfica, usando Paulo Gonçalves como intermediário, encomendou e financiou o parecer jurídico que beneficiou Ferreira Nunes.
Ainda há parolos que vão em futebois…